Ao contrário de uma boa parte das vozes que dominam o espaço mediático, considero que nesta campanha eleitoral (até ao momento) a política saiu dignificada. Numa fase em que as sociedades contemporâneas atravessam enormes transformações no plano político, económico, ambiental, social e cultural, já não há mais espaço para a sociedade do "respeitinho" do passado recente, nem para homens predestinados a levar um qualquer povo para a desgraça. A maior parte dos cientistas sociais sabe disto: a sociedade é feita de consenso e de conflito. O conflito não é necessariamente disfuncional. Às vezes é mesmo necessário que ele exista para que se saia de situações pantanosas. O consenso, especialmente quando ele é "podre", é, na maior parte das vezes, altamente disfuncional para os grupos, para as organizações e para a sociedade em geral. Dito isto, esta campanha trouxe consigo o regresso da política com P maiúsculo. Desde logo pela elevação dos debates. Vistos, a maior parte deles, por perto de um milhão de teleespectadores isso significa que a política despertou interesse lá por casa. Regressou também a política, porque desta vez o TGV foi uma entre muitas outras questões em jogo e a ideologia regressou também ao campo da luta pelo poder. Sócrates defendeu tudo aquilo que durante quatro anos rejeitou determinadamente. O investimento público como solução para a crise. O Estado Social como factor de justiça social. E, pasme-se, o diálogo com os professores como forma de reformar o sector da educação escolar. Sócrates acusou Louçã de querer voltar ao tempo das nacionalizações e ainda Manuela de querer voltar ao tempo do "orgulhosamente sós". Recusou as privatizações como forma económica dominante na gestão da segurança social, da saúde e da educação, defendendo, qual camaleão em alta metarmorfose, novamente, tudo ao contrário, do que nos últimos anos praticou.
Manuela também não engana ninguém. O "programa" tradicional da direita está lá e trata-se apenas de assumir explicitamente o que Sócrates ao fim e ao cabo andou a fazer nestes últimos quatro anos. Redução do Estado para um Estado Minímo. Alívio dos impostos para estimular o consumo (Sócrates subiu os impostos depois de prometer que não o faria) e redução das despesas do Estado através do seu "emagrecimento". Estímulo às parcerias público-privadas nas áreas da saúde, educação e segurança social, desmantelando progressivamente o Estado Social. A direita é, evidentemente, neoliberal, com a grande diferença de que não tem vergonha de o assumir. Vem, portanto aí, se o PSD ganhar, mais do mesmo, com políticas sociais de carácter "caritativo", à imagem, aliás, do que fez o governo de Sócrates na legislatura que agora termina e que não alteram no fundamental a redistribuição da riqueza; e ainda, no plano das questões ditas "fracturantes" a defesa dos valores mais "tradicionalistas" em oposição aos valores ditos mais "progressistas", defendendo o casamento "tradicional", a recusa do alargamento dos direitos dos homossexuais, etc, etc, etc. Louçã deixou-se apanhar nas "armadilhas" de Sócrates e do jornalismo de "consenso" que predomina no panorama mediático português. Não vinha mal ao mundo assumir que alguns sectores da banca, da energia e outros que se considerem vitais para a defesa do interesse público, fossem nacionalizados. Só os mais distraídos (e os que se fazem esquecidos) não repararam nas sugestões de alguns dos maiores economistas de renome mundial, entre os quais, alguns recentes prémios Nobel, de que na sequência da crise mundial, se deveria seriamente pensar, que se alguns negócios da banca afectam a vida de milhares de milhões de pessoas, isto não seria motivo suficiente para os considerar um bem público. Louçã foi, de longe, quem mais perdeu com esta campanha eleitoral, mesmo que isso até possa não se vir a reflectir no número de votos. Ficou a dúvida sobre a "verdadeira" identidade ideológica do Bloco. Jerónimo de Sousa e o PCP foram iguais ao que sempre nos habituaram. Em defesa dos direitos dos trabalhadores, contra os interesses do grande capital, por um serviço público de qualidade, em defesa do emprego e na luta contra o desemprego. O PCP consegue conter em Portugal uma morte há muito anunciada. Os amanhãs que cantam são uma visão política sem futuro. O Muro de Berlim caiu em 1989. Apesar disso, ainda bem que resiste. Portas e o CDS/PP, em alguns dos temas que explorou, encostou-se claramente à extrema direita. Demagogicamente defendeu que os polícias têm menos direitos que os criminosos, explorou o tema da insegurança como é habitual e voltou a falar nos "males" da emigração. Atacou as "arruadas" como mais ninguém o sabe fazer. Parabéns à esquerda que desta vez não explorou o demagógico tema da "insegurança". Tem estado muito bem o PS neste aspecto. Os pequenos partidos tiveram a participação que os deixaram ter e foram importantes ao colocar na agenda temas que os outros candidatos tendem a desvalorizar. O resto ficou a cargo de muita propaganda e alguns importantes "casos". Tudo normal em época de grandes "combates" políticos. A política está de parabéns. Já não há mais espaço para tecnocratas de ocasião. Confrontados com as grandes questões que se colocam à humanidade é o político que está aí de regresso. Habituemo-nos, pois, a negociar. O mundo social é feito de pequenas e de grandes escolhas.
Óptimo texto. Estou de acordo que os debates políticos, desta vez, dignificaram a democracia.
ResponderEliminarConcordo que alguns sectores da economia deviam de ser nacionalizados. Toda a banca não há necessidade. Acho suficiente o Estado manter a CGD. Que até devia servir de exemplo a todos aqueles que acham que o sector do Estado é mal gerido!!! A CGD atingiu a excelência de uma boa gestão. Tendo contribuido enormemente para isso a passagem de Rui Vilar pela Presidência da CGD.
Na banca privada há que destacar também e excelência da gestão do BPI. Não pactua com fuga ao fisco...quem quer colocar dinheiro em Off-Shores tem que escolher outro banco...Exemplo que devia ser seguido pela restante banca...
Louçã não soube aproveitar convenientemente a notícia do jornal Expresso que dava conhecimento do facto dele ter aplicações em PPR´s. Isso só o dignifica: apesar de ter condições financeiras para aproveitar os benefícios fiscais que os PPR`s permitem ele, Louçá, quer o fim dos PPR´s. Aplaudi a medida quando Bagão Félix acabou com esses benefícios. Fiquei desiludido quando Sócrates recuperou esses benefícios e, em contrapartida, reduziu os benefícios fiscais dos reformados!!!
Felizmente que o PCP se mantém relativamente forte. Não sou apanágio de fazer comparações com o que se passou anteriormente até à queda do muro de Berlim. O que me interessa constar é que as condições políticas em Portugal são diferentes. E não vejo motivos para duvidar da honestidades dos comunistas portugueses.
Paulo Portas é um político muito inteligente e trabalhador. E demagogo quanto baste... Pena defender ideias xenófobas e de extrema direita. Ele no PSD e seria uma razia para o PS!!!
A Manuela Ferreira Leite só lhe resta a alternativa de abandonar a política. É um desastre. Não acredito que os portugueses lhe dê número suficiente de votos para poder governar.
Finalmente acredito que Sócrates sairá vencedor das próximas eleições. Esperando que os últimos acontecimentos não contribua para conseguir a maioria absoluta. Seria tão desastroso como Manuela Ferreira Leite as ganhar!!!
Olá Jorge,
ResponderEliminarObrigado pelo comentário ao post. Concordo plenamente. É com comentários desses que todos percebemos que a blogosfera pode ser um salutar lugar de troca de ideias.
Abraço
João Martins