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sexta-feira, março 31, 2006

Problemas da cidade de Loulé 14: Elas, as cotas e a democracia

Não tenho qualquer dúvida de que elas são mais descriminadas do que eles.
Elas esfregam o fogão, eles nem por isso. Elas mudam as fraldas aos bébés, eles nem por isso. Elas lavam a sanita, eles nem por isso. Elas cuidam dos idosos, eles nem por isso. Elas têm em geral uma dupla jornada de trabalho, eles nem por isso.
Elas executam trabalho remunerado e não remunerado (trabalho doméstico visto como não trabalho e por isso não pago, que bem serve à reprodução do sistema capitalista e à sua mais fácil acumulação).

Elas, mesmo quando eles estão desempregados, é que tratam dos afazeres domésticos. Elas, para o mesmo tipo de actividade profissional, em média, ganham menos do que eles.
Elas, ocupam os empregos menos prestigiantes e pior remunerados em geral. Elas, à medida que vamos para o topo da hierarquia das empresas vão perdendo representatividade estatística.
Elas, no interior do sistema político e dos cargos de poder são quase inexistentes.

Elas, para serem reconhecidas como competentes por eles têm que ser duplamente melhores que eles.
Elas estão em maioria nas escolas e nas universidades e em média têm melhores notas que eles.

Elas ao longo da história conseguiram progressos notáveis em direcção à igualdade social.
Elas já foram muito mais discriminadas do que nos dias de hoje, mas hoje é que fazem ouvir a sua voz com força. Quem não se recorda da autorização prévia dos maridos para elas saírem para fora do país durante o Estado Novo!

Mesmo assim tenho dúvidas, muitas dúvidas sobre as cotas. Mais á frente explico porquê.

Mas neste debate das desigualdades de género, habitualmente no discurso político e nas ideias de senso comum existe uma grande falácia!!!

E a falácia é a seguinte;

É que elas não são só elas!

Elas situam-se numa determinada classe social, são brancas, pretas ou amarelas, são jovens ou idosas, são deficientes ou muçulmanas e isto baralha todas as contas políticas possíveis sobre as desigualdades entre homens e mulheres.

Os estudos sociológicos sobre as desigualdades de género são concludentes:
Elas, quando pertencem a um lugar de classe previligiado atenuam bastante as desigualdades.
Ocupam também cargos de topo e intermédios, apesar de mais ligados à educação e ao cuidar dos outros, eles dominam mais do lado económico e político.

Elas quando previligiadas, têm uma divisão do trabalho doméstico mais equilibrado e a "ajuda" deles (ou então recorrem à contratação de trabalho doméstico feminino, elas, quando previligiadas, têm um forte poder nas decisões familiares e nas externas à vida familiar.

Elas, quando previligiadas socialmente, têm independência, autonomia e são senhoras da sua vida.

O problema é quando elas estão situadas nos lugares de classe mais desfavorecidos. Aí, elas, são duplamente desfavorecidas. Esfregam por eles, cozinham por eles, educam os filhos por eles, cuidam dos idosos por eles, estão dominadas por eles.

A variável classe social baralha todas as contas das desigualdades de género.

Sobre as cotas...o que alimenta as minhas dúvidas é simplesmente isto...

- Estão as classes socias igualmente representadas no parlamento e na vida política???...os pobres, o dito "povo", não está com certeza. Ok...um terço de quotas para o pobre povo.

- Estão os africanos, os chineses, os imigrantes de leste, representados no parlamento??? Não estão. Ok...cotas para os coloridos "não brancos".

- Estão os jovens representados nos orgãos de poder político equitativamente??? Não estão...ok...cotas para os jovens.

- Estão os deficientes representados nos pricipais orgãos políticos onde se tomam decisões??? Não estão...ok...cotas para os deficientes de todos os tipos.

Já agora, vale a pena dizer, embora seja políticamente pouco correcto, que as maiores desigualdades da nossa sociedade, são as desigualdades de classe, mas essas estão claramente despolitizadas.

É como se o capitalismo para se alimentar a si próprio incessantemente, precisa-se de ocultar que é um sistema fortemente desigualitário, legitimando-se as desigualdades de classe como uma "inevitabilidade" da vida social, uma espécie de destino de Deus, que quiz que uns fossem ricos e outros pobres...pobres mas honrados diria Salazar.

Esta "naturalização" da desiguadade em relação às classes sociais valia a pena voltar à ordem do dia.

Mas eles e elas, quando ambos pobres, não têm a voz reindivicativa que têm elas, quando mais favorecidas.

Quotas...não sei, continuo com dúvidas e aberto à discussão.

Um abraço e bom fim de semana

João Martins

domingo, março 26, 2006

Problemas da cidade de Loulé 13: Entre o público e o privado. Autarcas e resquícios do ethos salazarista

Rui Rio é o seu nome. É presidente da Câmara Municipal do Porto e revelou em todo o seu esplendor como o salazarismo está incorporado na alma de uma boa parte dos autarcas da sua geração.

Só um génio poderia decretar que a partir de agora só os problemas dos cidadãos considerados como de carácter público pela autarquia serão atendidos por este esplendido autarca.

Brilhante...nenhum regime ditaturial faria melhor.

O problema agora é definir o que é que é um problema público e o que é um problema privado.

Penso que no Porto a autarquia resolverá bem o caso...criará a categoria profissional de "Técnicos de Selecção dos Problema Públicos e Privados" e impõe uma ordem de prioridades cuja primeira imagino que será a seguinte:

- Se for um cidadão com um problema importuno para as políticas da autarquia é "problema privado", logo não atendível porque incómodo...se for um problema oportuno para a situação, é problema público pois não põe em causa o status quo.

Pierre Bourdieu, grande sociólogo Francês que morreu recentemente utiliza o conceito de Habitus para significar as condutas sociais, as maneiras de ver e de julgar os outros e as coisas da vida que são herdadas pelo passado, pela nossa socialização anterior e que por vezes estão tão incorporadas em nós, que se "naturalizam" e nos fazem mover e agir de acordo com as nossas aprendizagens passadas.

No caso de uma boa parte dos nossos autarcas isto é claro como a água, foram socializados num regime fechado, autoritário e pouco aberto ao confronto de pontos de vista inerentes à vida democrática. Logo o seu habitus contribuiu para a construção de personalidades predominantemente autoritárias.

O caso do Porto é evidente.

Já agora...no castelo de Loulé colocaram uma bandeira nacional que em noites de ventos fortes impede os meus pais de descansarem com a tranquilidade necessária levando-os quase á loucura.

Isto é um problema público ou privado?

Eu dou a resposta: - Depende da concepção de democracia de cada um dos nossos autarcas...no Porto será privado com toda a certeza...


Abraços e boa semana

João Martins

domingo, março 19, 2006

Problemas da cidade de Loulé 12: Sobre os cidadãos invisiveis e ausentes da vida social

Existem algumas categorias de "cidadãos" que são invisíveis no espaço social.

São invisibilisados pela sociedade, rotulados de "anormais", estigmatizados e não poucas vezes segregados dos principais espaços de acesso à cidadania e de uma vida social minimamente condigna. Este é o caso das pessoas com os mais variados tipos de deficiência.

São cidadãos apenas diferentes e com diferentes necessidades sociais, mas a quem são muitas vezes negados os direitos sociais elementares, tais como o acesso à educação e à aprendizagem ao longo da vida, ao trabalho, à eliminação das barreiras físicas e sociais, que permitiriam o desenvolvimento das suas capacidades na sua plenitude.

As políticas estatais de apoio às populações deficientes não têm caminhado no sentido da igualização de oportunidades sociais desta categoria de cidadãos.

Também aqui, como noutras dimensões da nossa vida social, a prática legislativa é muito mais avançada do que as práticas sociais.

Se a legislação em Portugal prima por traços de modernidade Europeia, já ao nível das praticas de apoio às populações deficientes, estamos a anos luz das necessidades sociais existentes.

Mais uma vez aqui é preciso responsabilizar não só todos nós cidadãos, mas também o poder político quer a nível central, quer regional, quer local.

Sejamos sinceros, as políticas de apoio à deficiência têm sido um fiasco total e as populações deficientes não têm sido objecto de prioridades por parte do diferentes governos que têm passado pelo poder no nosso país.

Os deficiêntes têm estado entregues a si próprios e têm sido algumas associações comunitárias que têm tido um papel fundamental no "remediar" (sejamos objectivos, chamemos-lhe assim) da qualidade de vida desta categoria de cidadãos.

Quanto à educação escolar, o Estado a determinada altura diminuiu o apoio às instituições especializadas e apostou ("discursivamente") na integração dos estudantes com necessidades especiais, nas estruturas educativas do ensino regular.

O problema é que não preparou as infraestruturas existentes, materiais e humanas, para que essa integração tivesse sucesso.

Agrava esta situação a pressão social neoliberal para a retirada do Estado na intervenção do social e a "ditadura" política da governação em função do "déficit".

A economização e mercadorização da vida social penaliza claramente a população mais desfavorecida socialmente e a população deficiente em geral fica ainda mais penalizada na sua existência social.

Felizmente existem alguns exemplos brilhantes de intervenção social por este tipo de causas que não resolvendo o problema de fundo, muito pelo contrário, fazem um trabalho notável no atendimento e na melhoria de condições de vida dos individuos portadores de deficiência e das suas famílias.

Em Loulé, uma dessas instituições designa-se de UNIR e trabalha no apoio aos cidadãos com deficiência mental.

Funciona com a corda na garganta, mas faz um trabalho social notável...parabéns para os seus responsáveis...que são verdadeiros heróis incógnitos, muitas vezes, da vida da nossa polis.

Deixo aqui um apelo para que sempre que puderem ajudem este tipo de associações...das maneiras que acharem pertinentes...todos os contributos serão poucos...

Em prole de uma democracia que proporcione uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos e que não descrimine aqueles que são apenas diferentes das pessoas que consideramos normais.

A propósito...estou gordíssimo...peso quase 100 quilos...tenho 1 metro e setenta...e não tenho dois dentes molares.

Serei "normal"?

Um abraço e boa semana e não se esqueçam...sempre que puderem ajudem que eu vou fazer o mesmo.

domingo, março 12, 2006

Problemas da cidade de Loulé 11: Anda um espectro pela Europa - o espectro do fundamentalismo neoliberal

Em 1848, numa obra que viria a contribuir para mudar o mundo "O Manifesto do Partido Comunista", Karl Marx começava assim as suas ideias:

"Anda um espectro sobre a Europa - o espectro do Comunismo".

Hoje, passados 158 anos, nunca imaginaria Marx que o espectro que paira sobre todo o mundo é o do fundamentalismo neoliberal.

A que propósito vem esta questão?

Quem tenha estado atento ao que se tem passado em França na última semana, constata facilmente como a vaga fundamentalista neoliberal procura espalhar-se por todo o globo como uma inevitabilidade das "necessidades do mercado".

O governo Francês quer impor à sociedade Francesa e aos jovens em particular uma medida de "combate" ao desemprego que consiste em precarizar a precarização.

É o já famoso CPE - Contrato de Primeiro Emprego - que prevê que os jovens possam ser despedidos, sem quaisquer indemenizações, a qualquer momento, pelos empregadores nos primeiros dois anos de contrato, instaurando uma precarização total da vida laboral e social dos jovens.

Esta é a receita encontrada pelo governo Francês para fazer face à já elevadíssima taxa de desemprego dos jovens em França.

A vaga neoliberal, agora contemporaneamente instaurada subtilmente em "inevitabilidade" da "globalização" e a ideologia do mercado que defende este funcionar por si próprio num ajustamento perfeito, tem contribuido para um ataque aos direitos sociais conquistados pelo movimento operário ao longo da história Ocidental. A ideologia "menos Estado, melhor Estado" tem vindo a galgar terreno em todo o mundo ocidental.

O desemprego juvenil é alarmante e a escola tem funcionado como um "parque de estacionamento" e uma "almofada social" da contestação e da revolta políticas.

Quando as políticas de precarização passam a ter conteúdos explicitos na lei formal a revolta dos jovens adquire contornos significativos.

Não é um Maio de 68 o que assistimos em França, mas não deixa de ser um sintoma de doença grave da organização das sociedades ocidentais.

Agora pergunto eu, se cada vez se é "jovem" até mais tarde, se a transição para a vida "adulta" considerada com a passagem à vida "activa" é feita cada vez mais tarde e em situação mais precária...

Se cada vez mais somos "velhos" para o trabalho cada vez mais cedo, reduzindo o tempo de trabalho a um período cada vez mais curto e precário...

O que vai impedir uma explosão social de uma maioria cada vez mais precarizada, angústiada e com expectativas sociais bloqueadas?

Fica a pergunta, chamando a atenção para o caso da sociedade Francesa onde a revolta dos suburbios é um sinal dos tempos que aí se aproximam.

Boa semana e vigiem os vossos direitos...estes custaram muito sangue, suor e lágrimas para que se concretizassem...

João Martins

domingo, março 05, 2006

Problemas da cidade de Loulé 10: O Estado, Sócrates, os bons pobres e os maus pobres

A medida agora anunciada por José Socrates de combate à pobreza através do apoio aos idosos é uma decisão política que merece todo o meu aplauso.

Nenhum ser humano digno desse nome,"humano", negará que os idosos são das categorias sociais mais penalisadas em termos de desigualdades sociais e onde a pobreza em Portugal está mais concentrada.

Para além de ser uma inteligente medida política de caça ao voto, uma vez que com o envelhecimento da população concentra cada vez mais eleitores no topo da pirâmide demográfica, são este tipo de medidas que acabam por distinguir hoje a esquerda da direita, pondo em causa aqueles que dizem que hoje esta distinção não faz sentido.

Contudo...e porque há sempre um mas...esta medida sofre de uma miopia que tem atravessado diversos regimes políticos, sejam eles monarquicos, repúblicanos, Salazaristas ou democráticos.

E o problema é este...é que os nossos governantes teimam em distinguir os "bons pobres", merecedores da caridade do Estado e os "maus pobres" de quem há que desconfiar e agir em conformidade.
Temos então um Estado que decide em função de dois tipos de cidadãos, os "merecedores" porque honestos e os "malvados" porque não são cidadãos de bem.

Trago-vos um texto de Eça de Queiróz na sua obra "O Conde de Abranhos" para que reflitam sobre o assunto e que vejam que o mesmo já não é novo, pois esta obra é de finais do século XIX.

Sem comentários... deliciem-se por favor, passo a citar:

"Além disso, ele reconhecia que a caridade era a melhor instituição do Estado. Quanto ao pauperismo, tinha-o como uma fatalidade social: fossem quais fossem as reformas sociais, dizia, haveria sempre pobres e ricos: a fortuna pública deveria estar naturalmente toda nas mãos de uma classe, da classe ilustrada, educada, bem nascida. Só deste modo se podem manter os Estados, formar as grandes indústrias, ter uma classe dirigente forte, por possuir o ouro e base da ordem social.

Isto fazia necessariamente que parte da população "tiritasse de frio e rabiasse de fome".

Era certamente lamentável, e ele, com o seu grande e vasto coração que palpitava a todo o sofrimento, lamentava-o.

Mas a essa classe devia ser dada a esmola com método e discernimento:

- e ao Estado pertencia organizar a esmola. Porque o Conde censurava muito a caridade privada, sentimental, toda de espontaneidade. A caridade devia ser disciplinada, e, por amor dos desprotegidos regulamentada: por isso queria o Asilo, o Recolhimento dos Desvalidos, onde os pobres, tendo provado com bons documentos a sua miséria, tendo atestado bons atestados de moralidade, recebessem do Estado, sob a superintendência de homens práticos e despidos de vãs piedades, um tecto contra a chuva e um caldo contra a fome.

O pobre devia viver ali, separado, isolado da sociedade, e não ser admitido a vir perturbar com a expressão da sua face magra e com narração exagerada das suas necessidades, as ruas da cidade.

"Isole-se o Pobre!" dizia ele um dia na Câmara dos Deputados, sintetizando o seu magnifico projecto para a criação dos Recolhimentos do Trabalho. O Estado forneceria grandes casarões, com celas providas de uma enxerga, onde seriam acolhidos os miseráveis.

Para conseguir a admissão, deveriam provar serem maiores de idade, haverem cumprido os seus deveres religiosos, não terem sido condenados pelos tribunais (isto para evitar que operários de ideias suversivas que, pela greve e pelo deboche, tramam a destruição do Estado, viessem em dia de miséria, pedir a esse mesmo Estado que os recolhesse).
Deveriam ainda provar a sobriedade dos seus costumes, nunca terem vivido amancebados nem possuírem o hábito de praguejar e blafesmar. Reconhecidas estas qualidades elevadas com documentos dos párocos, dos regedores, etc.; seria dada a cada miserável uma cela e uma ração de caldo igual à que têm os presos"

Eça de Queiróz em "O Conde de Abranhos" pag.34 e 35.

Pois é, continuamos no séc. XIX. O Conde agora tem é outro nome...

Um abraço e boa semana.