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quarta-feira, maio 27, 2009

Visões da União Europeia

Rui Tavares - Caro eleitor: você está enganado

Entrámos em campanha eleitoral. Eu mesmo estou em campanha eleitoral. Talvez seja a ocasião certa para me dirigir desde já aos eleitores e repreendê-los – se fosse depois das eleições poderia parecer falta de desportivismo.
Dizem os estudos, a imprensa e os comentadores que a grande maioria não vai votar nestas eleições europeias, que consideram ser a feijões. Nesse caso, vocês – a grande maioria de vocês – estão enganados. Três razões:
Três quartos das leis por que nos regemos vêm de Bruxelas e passam pelo Parlamento Europeu. Decisões que estavam já tomadas pelos líderes – Sócrates, Sarkozy, Merkel e os seus pares – podem ser chumbadas pelos eurodeputados. E ainda bem: foi assim que se impediu que as 60 horas de trabalho semanal se tornassem regra (ao invés das 48 horas) e que uma qualquer empresa pudesse administrativamente cortar-nos a Internet por “mau uso” (ao invés de serem os tribunais a fazê-lo). Nada disto – e há muitos mais exemplos – é a feijões.
Ao contrário do Parlamento nacional, tolhido pela disciplina partidária, o Parlamento Europeu toma decisões mais imprevisíveis e dramáticas, como um bom parlamento pode ser. Na votação sobre os direitos de uso da Internet, a esquerda e os verdes convenceram os liberais a contrariar o bloco central europeu (de socialistas e conservadores) e com isso arrastaram até uma maioria de socialistas em nome individual. Uma coligação esquerda-verdes-liberais a defender um novo direito (de acesso à informação em rede) como outras diversas coligações poderão defender direitos sociais ou ambientais? Parece-me uma boa notícia.
A terceira razão é que, à medida que a crise se desenvolve, é cada vez mais difícil os 27 governos chegarem a compromissos que não sejam imposições dos grandes. É no Parlamento Europeu, por outro lado, que o debate de ideias mais profundo se vai fazendo de forma crescente – mais uma razão para querer participar na escolha de eurodeputados que cheguem lá com vontade (e capacidade) de fazer esse debate de ideias.
Releio as linhas que escrevi e – se querem que vos diga – acho fraco. O que está ali poderia ser dito sobre qualquer eleição. E esta não é uma eleição qualquer.
Por acaso do calendário, este ano vamos decidir sobre as três escalas: a europeia, a nacional e a local (para meu gosto, falta ainda a regional). Ou seja, do grande para o pequeno, podemos sair de 2009 muito diferentes de como entrámos. O ano da grande crise poderia ser o ano da grande transformação.
Do meu ponto de vista, é mesmo isso que deveríamos fazer. Não acredito que a lição da crise tenha sido aprendida; na primeira ocasião, os governantes, os banqueiros e os opinadores esquecerão tudo e voltarão aos velhos hábitos. E o preço de subestimar esta crise é alto: será não ter solução para a próxima.
Enquanto isso, a nossa situação continua injusta quanto já era: os que se sacrificaram pelas reformas são agora sacrificados pelo desemprego; os que se endividaram estão com a corda na garganta. Em Portugal, temos das famílias que mais pagam para ter os filhos na universidade, mas os jovens doutores ou engenheiros acabam a atender telefonemas no call center. Assim nunca daremos a volta por cima.
A sua demissão, caro eleitor, não sobressalta os líderes. Eles acham que têm a situação sob controlo e que as boas decisões já estão tomadas. Eu, pelo contrário, acho que um sobressalto só lhes faria bem: não vejo como sairemos da crise de forma satisfatória, se esta situação de base se mantiver. Quem tem razão? Pode ser que sejam eles, e eu não. Nesse caso, é simples. Vá votar noutro (ou noutra). Não vote em mim: prove-me que estou enganado.


in http://jornal.publico.clix.pt/magoo/noticias.asp?a=2009&m=05&d=25&uid=&id=307685&sid=58824

Rui Tavares é Historiador e candidado do Bloco de Esquerda às Eleições Europeias

1 comentário:

  1. Excelente texto de Rui Tavares. O deixa andar pode levar ao buraco (sem fundo) que o Quiosque de Camila tão bem retrata no seu último post.!!!

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