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domingo, junho 14, 2009

Mentes Lúcidas

Um aviso à navegação ou o início da derrocada?

Diário de Coimbra, 12/06/2009

"Não há dúvida, isto foi mais do que um mero sinal amarelo. Foi um aviso muito sério, ou talvez o prelúdio do que pode vir a suceder nas eleições parlamentares. Será que Sócrates e os seus indefectíveis começaram finalmente a perceber o que tanta gente – tantos milhares de ex-eleitores do PS – vinham dizendo, e gritando, nos últimos 2 anos? Que querer governar na base de políticas económicas liberais, mesmo que travestidas de uma roupagem “social”, já não resulta?! Que querer impor reformas contra aqueles que devem ser os seus principais veículos é um procedimento arriscado em democracia? Enfim, que todos os tiques de autoritarismo, tentativas de imposição de um pensamento único, de uma visão maniqueísta e sectária do “connosco ou contra nós” só poderiam ter este resultado?

Bom, é verdade que se tratou de eleições para o Parlamento Europeu e não para a Assembleia da República. É verdade que não era suposto neste escrutínio serem as políticas governativas que estavam em causa. Mas, ora ora..., todos sabemos que foi largamente esse o motivo que levou os portugueses a votar como votaram, ou antes, como não votaram. O que resta saber é se isto foi apenas uma cartão amarelo, um “aviso à navegação” do barco do Eng. Sócrates, ou simplesmente um prenúncio da derrocada desta maioria.

A Europa só muito lateralmente foi influente nesta viragem. Para a maioria dos portugueses a Europa é outra coisa, que não nos diz respeito. Não está aqui ao lado, mas nos nossos antípodas. Os portugueses estão virados para o mar e esta acentuada litoralização, este virar de costas à Europa, é uma metáfora: caminhamos para ela, mas seguindo a rota do ocidente. Por isso fica tão longe.

Em primeiro lugar, uma abstenção que bateu o recorde de 2004 é muito preocupante. Os quase 20% de votos que fugiram ao PS foram sobretudo engrossar essa larga fatia de abstencionistas. Mas muitos estarão também entre os 4,6% de votos em branco (que, somados aos nulos atingem os 6,6%) e ainda naqueles que entraram no Bloco de Esquerda e alguns (menos) na CDU. As sondagens falharam rotundamente: falharam a derrota do PS, a vitória clara do PSD, a consolidação do CDS e o reforço da CDU/PC. À excepção dos resultados no BE, falharam em tudo (e isto merece reflexão).

Por isso ninguém esperava um resultado tão desastroso para o PS.
Olhando para o mapa da UE constatamos um reforço da direita, mas também da esquerda. Pelo menos da esquerda que não cedeu à onda mercantilista e liberal, como aconteceu, por exemplo, com Sócrates, Zapatero e Brown. A esquerda de contestação e os Verdes ganharam, enquanto a extrema-direita nacionalista ganhou nuns países e recuou noutros. As tendências estão longe de ser uniformes, mas a social-democracia europeia está claramente em risco de esgotamento se persistir neste rumo.


A Europa parece assim ter entrado em contra-ciclo com os EUA da era Obama, onde se assiste ao regresso do Estado regulador e redistribuidor, através de novas medidas assistencialistas e políticas sociais. Com este novo cenário também se anuncia que – ao contrário das previsões falhadas – se consolidou a tendência pluralista (e não a anunciada bipolarização). Quer à direita, quer à esquerda, mas sobretudo nesta. Isto mostra que as pessoas se cansaram e já não acreditam nas vantagens das maiorias absolutas. Adivinha-se portanto um “Verão quente” em Portugal.

Sócrates e os seus mais próximos assumiram, e bem, a derrota sem tibiezas. Mas quando logo após o desfecho do acto eleitoral se anuncia com tanta veemência (como fez o Primeiro-Ministro) que vamos seguir o mesmo rumo, parece ilustrar a mesma teimosia de quem não quis ouvir as vozes da razão. Vamos ver o que acontece em Outubro. Se vamos mesmo entregar o governo à direita ou se seremos capazes de virar à esquerda (não nas políticas do actual governo, que não há tempo nem vontade), preparando-nos para governar com base em acordos parlamentares entre as diferentes esquerdas. O que, evidentemente, requer uma outra estratégia e um outro programa..."

Elísio Estanque in http://boasociedade.blogspot.com/

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