Manifesto de 51 economistas e cientistas sociais
O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia
Estamos a atravessar uma das mais severas crises económicas globais de sempre. Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso.
É por isso imprescindível definir claramente as prioridades. Em Portugal, como aliás por toda a Europa e por todo o mundo, o combate ao desemprego tem de ser o objectivo central da política económica. Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção social. Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos. O desemprego é o problema. Esquecer esta dimensão é obscurecer o essencial e subestimar gravemente os riscos de uma crise social dramática.
A crise global exige responsabilidade a todos os que intervêm na esfera pública. Assim, respondemos a esta ameaça de deflação e de depressão propondo um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global, que só pode partir dos poderes públicos. Recusamos qualquer política de facilidade ou qualquer repetição dos erros anteriores. É necessária uma nova política económica e financeira.
Nesse sentido, para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação.
Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar a quebra conjuntural da procura privada, mas também abrirão um caminho para o futuro: melhores infra-estruturas e capacidades humanas, um território mais coeso e competitivo, capaz de suportar iniciativas inovadoras na área da produção de bens transaccionáveis.
Dizemo-lo com clareza porque sabemos que as dúvidas, pertinentes ou não, acerca de alguns grandes projectos podem ser instrumentalizadas para defender que o investimento público nunca é mais do que um fardo incomportável que irá recair sobre as gerações vindouras. Trata-se naturalmente de uma opinião contestável e que reflecte uma escolha político-ideológica que ganharia em ser assumida como tal, em vez de se apresentar como uma sobranceira visão definitiva, destinada a impor à sociedade uma noção unilateral e pretensamente científica.
Ao contrário dos que pretendem limitar as opções, e em nome do direito ao debate e à expressão do contraditório, parece-nos claro que as economias não podem sair espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social evitáveis e um lastro negativo de destruição das capacidades humanas, por via do desemprego e da fragmentação social. Consideramos que é precisamente em nome das gerações vindouras que temos de exigir um esforço internacional para sair da crise e desenvolver uma política de pleno emprego. Uma economia e uma sociedade estagnadas não serão, certamente, fonte de oportunidades futuras.
A pretexto dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, dizem-nos que devemos esperar que a retoma venha de fora através de um aumento da procura dirigida às exportações. Propõe-se assim uma atitude passiva que corre o risco de se generalizar entre os governos, prolongando o colapso em curso das relações económicas internacionais, e mantendo em todo o caso a posição periférica da economia portuguesa.
Ora, é preciso não esquecer que as exportações de uns são sempre importações de outros. Por isso, temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas.
Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise. Para isso, é indispensável uma nova abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a convergência regional.
O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo. Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita. Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.
Por isso, como cidadãos de diversas sensibilidades, apelamos à opinião pública para que seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social se prolongue.
Publiquem nos vossos vossos blogues.
Os subscritores
Manuel Brandão Alves, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
Estamos a atravessar uma das mais severas crises económicas globais de sempre. Na sua origem está uma combinação letal de desigualdades, de especulação financeira, de mercados mal regulados e de escassa capacidade política. A contracção da procura é agora geral e o que parece racional para cada agente económico privado – como seja adiar investimentos porque o futuro é incerto, ou dificultar o acesso ao crédito, porque a confiança escasseia – tende a gerar um resultado global desastroso.
É por isso imprescindível definir claramente as prioridades. Em Portugal, como aliás por toda a Europa e por todo o mundo, o combate ao desemprego tem de ser o objectivo central da política económica. Uma taxa de desemprego de 10% é o sinal de uma economia falhada, que custa a Portugal cerca de 21 mil milhões de euros por ano – a capacidade de produção que é desperdiçada, mais a despesa em custos de protecção social. Em cada ano, perde-se assim mais do que o total das despesas previstas para todas as grandes obras públicas nos próximos quinze anos. O desemprego é o problema. Esquecer esta dimensão é obscurecer o essencial e subestimar gravemente os riscos de uma crise social dramática.
A crise global exige responsabilidade a todos os que intervêm na esfera pública. Assim, respondemos a esta ameaça de deflação e de depressão propondo um vigoroso estímulo contracíclico, coordenado à escala europeia e global, que só pode partir dos poderes públicos. Recusamos qualquer política de facilidade ou qualquer repetição dos erros anteriores. É necessária uma nova política económica e financeira.
Nesse sentido, para além da intervenção reguladora no sistema financeiro, a estratégia pública mais eficaz assenta numa política orçamental que assuma o papel positivo da despesa e sobretudo do investimento, única forma de garantir que a procura é dinamizada e que os impactos sociais desfavoráveis da crise são minimizados. Os recursos públicos devem ser prioritariamente canalizados para projectos com impactos favoráveis no emprego, no ambiente e no reforço da coesão territorial e social: reabilitação do parque habitacional, expansão da utilização de energias renováveis, modernização da rede eléctrica, projectos de investimento em infra-estruturas de transporte úteis, com destaque para a rede ferroviária, investimentos na protecção social que combatam a pobreza e que promovam a melhoria dos serviços públicos essenciais como saúde, justiça e educação.
Desta forma, os recursos públicos servirão não só para contrariar a quebra conjuntural da procura privada, mas também abrirão um caminho para o futuro: melhores infra-estruturas e capacidades humanas, um território mais coeso e competitivo, capaz de suportar iniciativas inovadoras na área da produção de bens transaccionáveis.
Dizemo-lo com clareza porque sabemos que as dúvidas, pertinentes ou não, acerca de alguns grandes projectos podem ser instrumentalizadas para defender que o investimento público nunca é mais do que um fardo incomportável que irá recair sobre as gerações vindouras. Trata-se naturalmente de uma opinião contestável e que reflecte uma escolha político-ideológica que ganharia em ser assumida como tal, em vez de se apresentar como uma sobranceira visão definitiva, destinada a impor à sociedade uma noção unilateral e pretensamente científica.
Ao contrário dos que pretendem limitar as opções, e em nome do direito ao debate e à expressão do contraditório, parece-nos claro que as economias não podem sair espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social evitáveis e um lastro negativo de destruição das capacidades humanas, por via do desemprego e da fragmentação social. Consideramos que é precisamente em nome das gerações vindouras que temos de exigir um esforço internacional para sair da crise e desenvolver uma política de pleno emprego. Uma economia e uma sociedade estagnadas não serão, certamente, fonte de oportunidades futuras.
A pretexto dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, dizem-nos que devemos esperar que a retoma venha de fora através de um aumento da procura dirigida às exportações. Propõe-se assim uma atitude passiva que corre o risco de se generalizar entre os governos, prolongando o colapso em curso das relações económicas internacionais, e mantendo em todo o caso a posição periférica da economia portuguesa.
Ora, é preciso não esquecer que as exportações de uns são sempre importações de outros. Por isso, temos de pensar sobre os nossos problemas no quadro europeu e global onde nos inserimos. A competitividade futura da economia portuguesa depende também da adopção, pelo menos à escala europeia, de mecanismos de correcção dos desequilíbrios comerciais sistemáticos de que temos sido vítimas.
Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise. Para isso, é indispensável uma nova abordagem da restrição orçamental europeia que seja contracíclica e que promova a convergência regional.
O governo português deve então exigir uma resposta muito mais coordenada por parte da União Europeia e dar mostras de disponibilidade para participar no esforço colectivo. Isto vale tanto para as políticas destinadas a debelar a crise como para o esforço de regulação dos fluxos económicos que é imprescindível para que ela não se repita. Precisamos de mais Europa e menos passividade no combate à crise.
Por isso, como cidadãos de diversas sensibilidades, apelamos à opinião pública para que seja exigente na escolha de respostas a esta recessão, para evitar que o sofrimento social se prolongue.
Publiquem nos vossos vossos blogues.
Os subscritores
Manuel Brandão Alves, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
Carlos Bastien, Economista, Professor Associado, ISEG;
Jorge Bateira, Economista, doutorando, Universidade de Manchester;
Manuel Branco, Economista, Professor Associado, Universidade de Évora;
João Castro Caldas, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural do Instituto Superior de Agronomia;
José Castro Caldas, Economista, Investigador, Centro de Estudos Sociais;
Luis Francisco Carvalho, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
João Pinto e Castro, Economista e Gestor;
Ana Narciso Costa, Economista, Professora Auxiliar, ISCTE-IUL;
Pedro Costa, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;Artur Cristóvão, Professor Catedrático, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro;
Álvaro Domingues, Geógrafo, Professor Associado, Faculdade da Arquitectura da Universidade do Porto;
Paulo Areosa Feio, Geógrafo, Dirigente da Administração Pública;
Fátima Ferreiro, Professora Auxiliar, Departamento de Economia, ISCTE-IUL;
Carlos Figueiredo, Economista;
Carlos Fortuna, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
André Freire, Politólogo, Professor Auxiliar, ISCTE;
João Galamba, Economista, doutorando em filosofia, FCSH-UNL;
Jorge Gaspar, Geógrafo, Professor Catedrático, Universidade de Lisboa;
Isabel Carvalho Guerra, Socióloga, Professora Catedrática;
João Guerreiro, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve;
José Manuel Henriques, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
Pedro Hespanha, Sociólogo, Professor Associado, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
João Leão, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
António Simões Lopes, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
Margarida Chagas Lopes, Economista, Professora Auxiliar, ISEG;
Raul Lopes, Economista, Professor Associado, ISCTE-IUL;
Francisco Louçã, Economista, Professor Catedrático, ISEG;
Ricardo Paes Mamede, Economista, Professor Auxiliar, ISCTE-IUL;
Tiago Mata, Historiador e Economista, Universidade de Amesterdão;
Manuel Belo Moreira, Engenheiro Agrónomo, Professor Catedrático, Departamento de Economia Agrária e Sociologia Rural, Instituto Superior de Agronomia;
Mário Murteira, Economista, Professor Emérito, ISCTE- IUL;
Vitor Neves, Economista, Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
José Penedos, Gestor; Tiago Santos Pereira, Investigador, Centro de Estudos Sociais;
Adriano Pimpão, Economista, Professor Catedrático, Universidade do Algarve;
Alexandre Azevedo Pinto, Economista, Investigador, Faculdade de Economia da Universidade do Porto;
Margarida Proença, Economista, Professora Catedrática, Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho;
José Reis, Economista, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
João Rodrigues, Economista, doutorando, Universidade de Manchester;
José Manuel Rolo, Economista, Investigador, Instituto de Ciências Sociais;
António Romão, Economista, Professor Catedrático, ISEG-UTL;
Ana Cordeiro Santos, Economista, Investigadora, Centro de Estudos Sociais;
Boaventura de Sousa Santos, Sociólogo, Professor Catedrático, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
Carlos Santos, Economista, Professor Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa;
Pedro Nuno Santos, Economista;
Mário Rui Silva, Economista, Professor Associado, Faculdade de Economia do Porto;
Pedro Adão e Silva, Politólogo, ISCTE;
Nuno Teles, Economista, doutorando, School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres;
João Tolda, Economista, Professor Auxiliar, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
Jorge Vala, Psicólogo Social, Investigador;
Mário Vale, Geógrafo, Professor Associado, Universidade de Lisboa.
Assino por baixo!
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