Solta-se o beijo
Como eram os beijos antes da Revolução dos Cravos?
"No Verão de 1973, a menos de um ano da queda do regime, a polícia, nas cidades, e a GNR, na província, ainda detinham e puniam com coima, qualquer cidadão mais fogoso, que beijasse o seu par, diante de transeuntes. Os turistas manifestavam o seu carinho mais à vontade, mas podiam ser postos na fronteira, se a guarda considerasse que estavam a abusar da tolerância face aos estrangeiros.
O beijo na boca, entre cidadãos de sexo oposto, era qualificado de acto exibicionista atentatório da moral. E se sublinhamos, aqui atrás, de "de sexo oposto", é porque qualquer contacto fisíco homossexual constituía um crime muito mais grave e um beijo "à Hollywood", na via pública, entre dois homens, ou duas mulheres, seria caso para processo em tribunal, com penas de prisão a doer. Mas isso estava fora de questão. Não se viviam tempos propícios à saída do armário como é bom de ver. A homossexualidade era proíbida, para além de ser considerada uma doença mental, tratada em manicómio.
Levado para a esquadra, ou para o posto da GNR, o deliquente beijoqueiro era identificado, autuado em pelo menos 57 escudos (um valor variável, em função de critérios que hoje nos escapam; há quem tenha pago 60, 80, 100), e passava invariavelmente pela cadeira do agente-graduado-em-barbeiro, de onde saia de cabeça rapada, máquina zero. A polícia parecia ter um prazer secreto em dar cabo de cabelos "à Beatle", mais tarde "à hippie".
(...) ficou célebre a portaria nº 69035 da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 1953, que, ainda há pouco tempo, circulou no correio electrónico nacional e que, sim, podemos garantir, existiu; não, não é gozo.
Dado verificar-se à época "o aumento de actos atentatórios à moral e aos bons costumes, que dia a dia se têm vindo a verificar nos lougadouros públicos e jardins, e, em especial, nas zonas florestais, Montes Claros, Parque Silva Porto, Mata da Trafaria, Jardim Botânico, Tapada da Ajuda e outros" determinava à polícia e aos guardas florestais "uma permanente vigilância sobre as pessoas que procurem frondosas vegetações para a prática de actos que atentem contra a moral e os bons costumes."
"1º - Mão na mão 2$50»
2º - Mão naquilo 15$00»
3º - Aquilo na mão 30$00»
4º - Aquilo naquilo 50$00»
5º - Aquilo atrás daquilo 100$00»
6º - Parágrafo único - Com a língua naquilo 150$00 de multa, preso e fotografado.»
António Costa Santos, Proibido, Lisboa, Editora Guerra e Paz, 2007.
Bom fim de semana
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