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sexta-feira, julho 10, 2009

Política Sem ideologia e Jardins Sem Flores

Política sem ideologia
por João Cardoso Rosas, Publicado em 09 de Julho de 2009 no "i":


"Existem dois grandes partidos em Portugal. Um é social-democrata e chama-se PS. O outro é conservador-liberal e chama-se PSD. Mas nenhum deles gosta da sua própria ideologia. Sócrates não vai fazer campanha eleitoral a defender uma visão social-democrata do Estado e da sociedade - nem isso lhe passa sequer pela cabeça. Ferreira Leite não se vai apresentar como defensora do conservadorismo liberal, quanto mais não seja porque nunca reflectiu sobre as suas próprias ideias políticas. Os nossos líderes preferem defender palavras de ordem aparentemente extirpadas de toda a conotação ideológica. Sócrates pugna por "Avançar Portugal". Ferreira Leite propõe um "Portugal de verdade". Mas por que razão são os nossos principais partidos tão avessos a uma definição ideológica mínima, pelo menos idêntica àquela que têm os partidos congéneres na Europa? Talvez a explicação resida no facto de os partidos portugueses não serem muito diferentes dos portugueses.

Portugal é a terra do conformismo. Aqui não existe a excentricidade dos ingleses, nem a "fúria" dos espanhóis, nem o criticismo dos franceses. Receamos o pluralismo religioso, cultural, de opiniões, de estilos de vida. Da mesma forma, não gostamos do pluralismo político e da divergência ideológica. Uma das consequências da nossa política sem ideologia é que ela impede os grandes partidos de discutirem seja o que for de relevante: que tipo de sociedade queremos para o pós-crise; como pretendemos que seja a relação entre o Estado e a sociedade civil; que Estado social desejamos; como nos posicionamos quanto à imigração ou à discriminação de minorias; qual a nossa visão dos dilemas bioéticos, etc.

Em vez disso, as questões centrais da política portuguesa são do tipo: a realização ou não de obras públicas, a intervenção nos bancos fraudulentos, os apoios às PME, e outras coisas do género. O problema é que mesmo estas questões, que têm uma elevada componente técnica, são também políticas e só podem ser devidamente esclarecidas se formos capazes de responder às questões anteriores, respeitantes ao tipo de sociedade em que queremos viver.

Apesar desta evidência, muitos dos nossos comentadores e agentes políticos - incluindo o mais alto magistrado da nação - pregam a irrelevância do pluralismo ideológico, ou consideram-no uma "distracção" face aos problemas do país. Não vêem que a ocultação, ou mesmo a neutralização, do posicionamento ideológico dos principais partidos acaba por bloquear uma discussão séria desses mesmos problemas e por esvaziar de sentido o processo político democrático. E são os mesmos que vêm depois verberar a abstenção dos eleitores e verter lágrimas pelo decréscimo da qualidade da nossa democracia."

João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política

1 comentário:

  1. Que belíssima escolha para post, amigo João! Subscrevo na íntegra as palavras do Professor João Cardoso Rosas!

    Esta, no fundo, é a questão crucial que interessa colocar tanto aos actuais grandes partidos, como também à grande parte da sociedade portuguesa! Vivemos politicamente, uma época de forte descaracterização política e desapego ideológico, fruto dessa lógica neoliberal que em Portugal fortemente "adormeceu" as mentes políticas com o seu pragmatismo material e a sua praxis do "não chatear o mercado".Como se este último fosse a entidade suprema e inquestionável de todo e qualquer sistema político!

    Abraço, e até à próxima 4ªfeira!

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