Postado por Elísio Estanque, Professor da Universidade de Coimbra no blogue http://boasociedade.blogspot.com/
Política e ciberactivismo
Nos últimos tempos diversos movimentos de revolta ganharam relevo político, colocando no centro da acção o papel da net, dos blogues e das comunicaçoes por satélite. Os protestos estudantis na Grécia em finais do ano passado, a contestação ao modelo de Bolonha nas universidades da Catalunha, as greves e acções de rebelião na USP, em São Paulo, e mais recentemente, as grandes manifestações no Irão; ou, em Portugal, o caso dos FERVE (Fartos d’ Estes Recibos Verdes), os Precários Inflexíveis ou o movimento MayDay, podem ser apontados como alguns dos exemplos de novos activismos apoiados pelos novos meios informáticos e comunicacionais.
Importa por isso aprofundar a reflexão sobre as suas potencialidades (e os riscos, porventura) na revitalização da política em geral. De facto, as redes virtuais e as ligações por satélite estão a transformar a natureza do conflito social e político do nosso tempo, obrigando a repensar conceitos como os de esfera pública, cidadania ou até a oposição esquerda-direita.
As multidões que em Teerão vieram para a rua desafiar o poder sabiam que a censura e o controle da informação pelo governo local não seriam suficientes para esconder os acontecimentos. Mesmo expulsando todos os jornalistas internacionais, no dia, na hora ou no minuto seguinte a mais um acto repressivo já as imagens – captadas por um simples telemovel – circulam pelo mundo através das cadeias televisivas internacionais, da web e do YouTube, com toda a força simbólica e factual que uma imagem pode ter. E isso faz toda a diferença. Por sua vez a visibilidade global de um dado fenómeno local é, quase automaticamente, devolvido ao cenário onde ocorre a acção, revigorando a mobilização e comprovando (ou ampliando) a sua força política. É uma corrente dinâmica e multifacetada, ao mesmo tempo local e global, virtual e real, que permite à comunidade em luta ganhar visibilidade e agigantar-se, numa espécie de efeito boomrang, em que o reforço da identidade do sujeito colectivo é o resultado da sua identidade projectada para o exterior.
Os protestos estudantis na Grécia, em Barcelona ou na USP apoiaram-se amplamente no lado “virtual” da participação. E quer no Irão quer agora na China as ondas de violência colectiva dos últimos tempos transportam uma lógica de reinvenção do activismo, que passa pelo uso das novas comunicações em rede. Não se trata de substituir, de modo nenhum, a interação, o debate presencial, o face-a-face, mas de introduzir um novo ingrediente que canaliza e estimula novas formas de mobilização. Se “as massas” sempre foram um conceito controverso (mesmo nos tempos áureos do marxismo e do trotsquismo), hoje, estas redes e debates à distância, mesmo estruturados em comunidades “fictícias”, não só são decisivos no acesso à informação como na denúncia e na tomada de consciência. O sentido da intervenção pública da juventude está a mudar drasticamente. Já nada tem a ver com o modelo dos sixties. É verdade que os mesmos meios servem igualmente de suporte a actividades ilícitas e criminosas, mas no plano político assumem-se como uma componente extremamente inovadora.
Apesar da tão denunciada apatia política dos jovens, é importante não exagerar nesse diagnóstico, pois, embora a intervenção no “ciberespaço” seja menos visível, ela vem crescendo nos interstícios da suposta indiferença. Por exemplo no mundo universitário, os sectores mais politizados da juventude informam-se na net, sabem dos acontecimentos pelo Twitter ou por sms, discutem os assuntos nos blogues e intervêm nos fora virtuais, antes de comparecerem nos encontros académicos (quando comparecem), de responder às convocatórias de núcleo, do partido, da associação de estudantes, etc. Através da intervenção nas redes informáticas, mais até do que pela via presencial, a opinião individual ganha solidez, visto que está mais resguardada da manipulação. No silêncio do quarto de cada um, todas as inibições, complexos e estigmas se esbatem numa identidade ficcionada e “hiperreal”, mas com consequências práticas inquestionáveis. Daí que, paradoxalmente, talvez a democracia “virtual” seja mais democrática (e real) do que a democracia “real” (representativa ou participativa).
É claro que haverá sempre quem insista nos velhos pesadelos tais como um possível cenário de totalitarismo orlweliano, de uma sociedade vigiada com base nas novas tecnologias informáticas. Pessoalmente prefiro ver o lado positivo. Estou convicto que o ciberactivismo pode travar os entraves e perversões ao exercício de uma efectiva cidadania democrática. Será, provavelmente, o elemento-chave para reinventar a democracia do século XXI.
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