Vale a pena ler tudo o que o João Rodrigues escreve. Mais um artigo no "i":
Pobreza e escolhas políticas
Os últimos dados do INE sobre os níveis de pobreza ilustram as consequências das escolhas políticas. Comecemos com as boas notícias. Registou-se um decréscimo dos níveis de pobreza entre os reformados. Mesmo assim, mais de um quinto vive na pobreza. O complemento solidário de idosos terá contribuído para os resultados positivos, mas modestos, num país onde cerca de 80% dos reformados da Segurança Social não ganham o equivalente ao salário mínimo. Passemos às más notícias. A taxa de pobreza aumentou entre os que trabalham e entre os que estão desempregados, o que faz com que globalmente se mantenha nos 18% em 2007, último ano do inquérito do INE.
Isto quer dizer que antes de a crise do capitalismo global fazer sentir todos os seus efeitos nefastos, os níveis de pobreza permaneciam elevados. Não se pode esperar que uma política social de generosidade limitada possa compensar a complacência face ao crescimento do desemprego e do trabalho precário, reflexo de um capitalismo cada vez mais medíocre em que não se toca. A crise estará à vista de todos nas próximas estatísticas da pobreza, agora que o desemprego roça os dois dígitos.
Ainda por cima, as alterações realizadas pelo governo em 2006, ancoradas numa política populista do "vai trabalhar malandro", reduziram a percentagem de desempregados com acesso ao subsídio. Isto atingiu sobretudo os trabalhadores precários, que auferem salários mais baixos e que são os primeiros a conhecer o desemprego. Hoje temos mais de duzentos mil desempregados sem qualquer apoio. Estas escolhas, por acção e omissão, são coerentes com um código do trabalho liberalizador e traduzem uma recusa política em fixar regras mais exigentes para os mais fortes. Regras que deveriam assegurar um maior equilíbrio nas relações laborais, favorecer a negociação colectiva centralizada e gerar incentivos para a modernização da estrutura produtiva e para o aumento das qualificações.
As políticas públicas devem enviar um sinal claro aos sectores mais retrógrados do patronato: não podem continuar a sobreviver e prosperar através da transferência sistemática de custos e de riscos para os trabalhadores sob a forma de salários de pobreza ou da insegurança da precariedade. Esta estrutura económica é uma máquina de gerar pobreza. Repartir melhor direitos e obrigações pode ajudar a destruir esta máquina. No entanto, propostas sensatas, facilitando o acesso ao subsídio de desemprego ou limitando severamente o alcance e a duração dos contratos a prazo, foram recusadas pelo PS. Recusas que não ajudam a combater a pobreza.
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
Ver aqui na fonte: http://www.ionline.pt/conteudo/15180-pobreza-e-escolhas-politicas
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