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Artigo de João Cardoso Rosas publicado no "i" de 16 de Julho de 2009
O liberalismo é de esquerda
O liberalismo foi a reacção histórica ao absolutismo, tem uma visão igualitária da sociedade e defende a liberdade individual e as minorias
"Na linguagem corrente, o liberalismo é associado à direita. Quando dizemos que alguém é liberal situamo-lo, quase sempre, no lado direito do espectro político. Mas isso é um erro de três pontos de vista: histórico, doutrinal e político.
De um ponto de vista histórico, o liberalismo afirmou-se como a alternativa de esquerda a um conservadorismo mais ou menos reaccionário, mais ou menos saudoso da monarquia absoluta e do Antigo Regime. Durante o século 19, antes do triunfo do socialismo, ser de esquerda ou ser liberal era a mesma coisa. Note-se que este carácter progressista do liberalismo está ainda hoje presente em alguns países, sobretudo na América. Como aí nunca tiveram sucesso as ideias socialistas, ser de esquerda é ser liberal. Obama, por exemplo, é um liberal no sentido americano, ainda que moderado.
De um ponto de vista doutrinal, o liberalismo é de esquerda na medida em que transmite uma visão profundamente igualitária. Aquilo que separa a esquerda da direita - qualquer tipo de esquerda de qualquer tipo de direita - é precisamente a diferença das posições em relação à promoção da igualdade. O liberalismo bate-se pelas liberdades iguais para todos os cidadãos e pelo tratamento não discriminatório de grupos historicamente discriminados: as mulheres, as minorias religiosas, étnicas ou sexuais. Mas o liberalismo defende também, desde o século 19 e até aos nossos dias, uma maior igualdade em termos de oportunidades e da distribuição da riqueza. Foi assim com John Stuart Mill, no século 19, e assim continuou com John Rawls, no final do século 20.
De um ponto de vista político-partidário, em Portugal e não só, o liberalismo mantém-se à esquerda. Isto não quer dizer que pelo menos uma parte dos partidos da direita não defenda o mercado livre. Mas preconizar o mercado livre não faz de ninguém um liberal. Se assim fosse, Pinochet e as autoridades chinesas seriam liberais distintos. Na direita portuguesa, os que aderiram ao que chamam "liberalismo clássico" na economia são, em boa verdade, conservadores e não liberais. São-no sempre em matérias de costumes e de bioética. Nunca se preocupam muito com a defesa das liberdades individuais. Desconsideram as minorias. A sua adesão ao mercado livre deriva apenas da oposição à política igualitária da esquerda. Defendem o mercado contra o Estado social e distributivo, não a favor da liberdade.
Dito isto, não nego que possa existir, em tese, também um liberalismo de direita. No entanto, para ser consequente, esse liberalismo tem de defender a liberdade de cada um de fazer o que quiser consigo mesmo e com a sua propriedade, contra um Estado igualitarista, mas também contra um Estado conservador. É o que podemos encontrar, por exemplo, num autor como Robert Nozick. Porém, os movimentos políticos que dele se reivindicam são negligenciáveis e, em Portugal, não existem de forma nenhuma. Decididamente, o liberalismo é de esquerda. "
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