"Um desempregado, hoje em dia, já não é vítima de uma marginalização provisória, ocasional, visando apenas alguns sectores; passa a estar a braços com uma implosão geral, com um fenómeno comparável ao desses maremotos, ciclones ou tornados que não visam ninguém e aos quais ninguém consegue resistir. Fica sujeito a uma lógica planetária que pressupõe a supressão daquilo a que se chama trabalho, isto é, empregos.
Mas - e essa deslocação tem efeitos cruéis - assume-se que o social e o económico continuam comandados pelas mutações verificadas a partir do trabalho, quando este último desapareceu. Os desempregados, vitímas de tal desaparecimento, são tratados e julgados em função dos mesmos critérios do tempo em que o emprego abundava. São portanto culpabilizados pelo facto de não o terem e enganados e adormecidos por promessas falaciosas anunciando o reestabelecimento para breve dessa abundância e a rectificação iminente das conjunturas tornadas adversas por meros contratempos. Daí resulta a marginalização impiedosa e passiva do número imenso, cada vez mais alargado, de "candidatos a emprego" que, por ironia, pelo próprio facto de terem adquirido esse estatuto, foram ao encontro, por outro lado, de uma norma contemporânea; norma que não é admitida como tal, mesmo pelos excluídos do trabalho, ao ponto de serem os primeiros (há quem se encarregue disso) a tornar-se incompatíveis com uma sociedade de que, no entanto, são os produtos mais naturais. São levados a considerar-se indignos dela e sobretudo responsáveis pela sua própria situação, que assumem como degradante (visto que degradada) e até repreensível. Acusam-se daquilo que os vitimou. Julgam-se na óptica dos que os julgam, óptica que adoptam, que os vê como culpados e que em seguida os faz interrogar-se sobre que incapacidades, que aptidões desperdiçadas, que má vontade, que erros os terão conduzido a essa situação. Espreita-os a reprovação geral, apesar do absurdo das acusações. Recriminam-se - como os recriminam - por viverem na iminência de viver uma vida de miséria. Uma vida que muitas vezes passa a ser "assistida" (de resto, abaixo de um patamar tolerável).
Essas censuras de que são alvo e que se fazem a si próprios baseiam-se nas nossas percepções desajustadas da conjuntura, em velhas opiniões há muito infundamentadas, hoje redundantes e ainda mais pesadas, mais absurdas; sem ligação alguma com o presente. Tudo isso - que não tem nada de inocente - os encaminha para essa vergonha, esse sentimento de indignidade, que leva a todas as submissões. A ignomínia desencoraja qualquer reacção da sua parte que não seja uma resignação dolorida.
Porque nada enfraquece ou paralisa mais do que a vergonha. Ela altera radicalmente, deixa sem recurso, permite qualquer subjugação, reduz os que dela sofrem à condição de presas. Daí o interesse dos poderes em servir-se dela e impô-la; permite legislar sem oposição e transgredir a lei sem receio de protestos. É ela que cria o embaraço, impede qualquer resistência, faz renunciar a todas as clarificações, a todas as desmistificações, a qualquer confronto da situação. Desvia de tudo o que possibilitaria a recusa da ignomínia e a exigência de uma responsabilização política do presente. É ela que permite também a exploração dessa resignação, assim como a do pânico virulento para cuja criação contribui.
A vergonha devia ter cotação na Bolsa; é um elemento importante do lucro."
Viviane Forrester, L'Horreur Économique, Fayard, paris, 1996, pag. 12-13.
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