Pré-escolar pode combater desigualdade
O investimento na educação nos primeiros anos de vida é o que mais dá retorno à sociedade, em termos do desempenho futuro no mercado de trabalho, além de evitar a entrada no crime, a gravidez na adolescência, o abandono da escola, entre outros. Esta visão foi apresentada ontem, no Rio de Janeiro, por James Heckman, prémio Nobel de Economia, durante o seminário sobre a Educação na Primeira Infância, no Hotel Glória, organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). "A maioria dos países está subinvestindo em educação infantil", disse Heckman. Ele detalhou diversos estudos que, nos Estados Unidos, dão suporte à idéia de que a pré-escola é um dos mais poderosos instrumentos para combater a pobreza e a desigualdade. O economista apresentou números mostrando que a maior parte das defasagens entre o desempenho de ricos e pobres em testes de matemática, por exemplo, já existe aos seis anos de idade, antes da 1ª série do ensino fundamental. As diferenças dos resultados entre ricos e pobres em testes aplicados mais tarde revelam apenas um pequena pioria em relação às diferenças que já existiam em testes adaptados a uma criança de seis anos. "O principal fator da pobreza, e tenho certeza de que isto deve ser ainda mais verdadeiro no caso do Brasil, são as diferenças nos ambientes familiares e a influência disto no desempenho educacional", disse Heckman. De acordo com ele, de formas sutis e nem sempre óbvias, esta influência não só se manifesta desde os primeiros meses de vida, como é até mais poderosa nesta fase. O caminho para reduzir a desigualdade derivada do ambiente familiar no início da vida, portanto, seria investir em pré-escola, começando antes mesmo da criança completar um ano. Uma das pesquisas apresentadas pelo Nobel, o chamado Estudo Pré-Escolar de Perry (o nome de uma escola fundamental no estado de Michigan), acompanhou ao longo de várias décadas um grupo de alunos negros de baixos rendimentos que recebeu, entre 3 e 7 (ou 8) anos, uma intensiva assistência educacional fora da escola, incluindo visitas às famílias. Décadas mais tarde, as crianças deste programa, comparadas com um grupo com mesmas características, mas que não teve aquela assistência, apresentava melhor resultado em diversos indicadores educacionais, sociais e económicos. Por exemplo, 29% ganhavam mais do que US$ 2 mil por mês e 36% tinham casa própria, comparado com 7% e 13%, respectivamente, para as que não tiveram acesso ao programa. Praticamente metade do grupo do programa colocou-se entre os 10% com melhor desempenho na escola aos 14 anos, comparado com apenas 15% no grupo sem programa. E a probabilidade de ir para prisão do grupo que participou do projeto foi metade daquela do que ficou de fora. Um outro programa ainda mais radical de intervenção, o chamado Abecedarian, no qual as crianças entraram com 4 meses de idade, levou inclusive a um aumento do QI, o que não se verificou no caso de Perry. Para interpretar estes resultados, Heckman fez uma distinção entre dois tipos de faculdade mental. A cognitiva é basicamente a inteligência, medida pelo QI. A não cognitiva são fatores como disciplina, persistência, motivação etc. O que as pesquisas sociais e neurológicas têm mostrado, segundo o prémio Nobel, é que, tanto em um caso como no outro, a capacidade de se moldar aquelas faculdades é muito maior nos primeiros anos de vida do que posteriormente, e que elas dão toda a base para o desenvolvimento educacional, profissional e social posterior da pessoa. A faculdade cognitiva é menos moldável que a não-cognitiva, mas ainda assim ela pode ser positivamente influenciada bem no início da vida, a partir dos primeiros meses, como mostra o programa Abecedarian. As faculdades não-cognitivas, por outro lado, são muito influenciáveis pelo ambiente social até os 20 anos, mas esta maleabilidade é muito maior nos primeiros anos de vida.
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