Os males do poder local
Ajuste directo ou estímulo à corrupção?
"É conhecido o sentimento generalizado de que o nosso poder local é – e parece sê-lo cada vez mais – uma instância sob suspeição. Surpresa foi ver surgir num recente programa televisivo, em directo (SIC-Noticias, 8/01/2009), denúncias graves de corrupção, em especial a daquele senhor de Ermesinde, que foi director comercial de uma grande empresa e que, segundo o próprio, teve como principal função “convencer” e aliciar os presidentes de Câmara (pelos vistos com grande sucesso) a contratarem com essa empresa, oferecendo em troca diversos “presentes” e benesses...
Todos estamos cientes da grande promiscuidade que caracteriza as relações entre os responsáveis do poder local e os interesses privados e imobiliários. Se é verdade que o fenómeno da corrupção não pode ser generalizado, também é verdade que são conhecidos demasiados casos (com e sem intervenção judicial) para que o mesmo possa ser ignorado. O favorecimento pessoal e os diversos tipos de compadrio minam o funcionamento das instituições um pouco por todo o lado e ostensivamente impedem, ou pelo menos retraem, a sua transparência.
Poderemos ter que aguardar que o Simplex chegue a todas as câmaras e serviços públicos e acreditar que isso traga mais eficácia e clareza de processos. Mas, quer a lentidão com que o Decreto-Lei 18/2008 está a ser aplicado quer a enxurrada de concursos nos dias que antecederam a sua entrada em vigor, indiciam o pior. Sabemos que é uma questão de cultura e de mentalidade e, como tal, demora sempre muito a ser corrigida. Porém, mesmo demorando, seria bom que se notassem progressos nesse sentido, o que não é o caso. Pelo contrário, temos a sensação de que retrocedemos, em vez de progredir. Se ainda recentemente foi criada uma medida de celeridade nos concursos públicos, não se percebe porquê querer suspendê-la passados seis meses.
Em suma, o pano de fundo de tudo isto é o mesmo tantas vezes denunciado: não só nas instituições municipais mas também nas do Estado central, imperam os interesses pessoais e os jogos de poder, seja na ânsia de protagonismo político-partidário seja na defesa de vantagens materiais particulares, em prejuízo do interesse público e da transparência de processos. Ao contrário de outros países, onde o poder municipal é marcado pela primazia do sentido empresarial (Reino Unido) ou pela ética republicana (França), vigora ainda em Portugal a primazia dos laços de sangue e de afinidade, lado a lado com a tradição paroquial e clientelar, que impregnam fortemente o poder local e lhe subtraem o necessário sentido institucional e de dever cívico.
Para mal da nossa democracia, os principais agentes que alimentam tais processos estão instalados nos partidos políticos – em todos eles – com responsabilidades no governo das autarquias. Como se diz, não podemos generalizar (porque também há bons exemplos de dedicação e competência), mas as diferenças entre os bons e os maus autarcas, sobretudo em questões de ética e de honra, não se medem pelas opções ideológicas de cada um ou pelas diferentes filiações partidárias.
O compadrio é transpartidário e não é só entre as ditas forças do “bloco central”. O que os une é a preservação do poder e do privilégio (do pequeno ao grande). O que os distingue é mera retórica e propaganda, porque os comportamentos cúmplices e a defesa do status quo tornaram-se uma inevitabilidade. Ou seja, estes “profissionais” da vida partidária têm como principal obrigação servir os seus “donos”, uma vez que não possuem qualquer outra qualificação digna de relevo e, portanto, não teriam qualquer futuro ou emprego fora desse círculo."
Post escrito por Elísio Estanque em 21 de janeiro de 2009
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Elísio Estanque é Professor da Universidade de Coimbra e Investigador do CES.
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