Porque recusa o governo de Sócrates os números do crescimento das desigualdades sociais em Portugal?
"A nossa relação com o mundo exterior passa não só pelos media informacionais, mas também pelos nossos sistemas de ideias, que recebem, filtram e triam o que nos fornecem os media. Quando não temos opinião formada ou preconceito prévio, somos extremamente abertos às informações. Quando não possuímos estrutura mental ou ideológica capaz de a assimilar ou inscrever, a informação transforma-se em ruído. Em contrapartida, quando dispomos de ideias firmes e definitivas, somos muito acolhedores para todas as informações que as confirmem, mas muitíssimo desconfiados para com as que as contrariem.
Mais ainda, somos capazes de resistir às informações não conformes com a nossa ideologia, recebendo essas informações não como informações. mas sim como logros ou mentiras. Como se sabe há muito tempo, mas se está sempre a esquecer, os espíritos individuais (e por seu intermédio as ideologias colectivas) são muito capazes de resistir aos media quando estes difundem não só ideias, mas também informações contrárias às suas convicções e crenças profundas.
Assim, os filmes de actualidades e as emissões de rádio da ocupação alemã tiveram influência quase nula sobre as opiniões e as esperanças dos Franceses. Estes viam apenas mistificações nas enormes massas de prisioneiros e nas destruições de tanques russos apresentadas nos écrans (...) Os Alemães que quiseram ignorar a existência dos campos nazis ignoraram-na, e em 1945 as populações alemãs receberam como mentiras de propaganda as imagens e os relatos dos campos da morte; os Franceses que quiseram ignorar a tortura na Argélia ignoraram-na. Durante um ano implorei à minha amiga C. que lesse O Arquipélago do Gulag. Não tinha tempo, mas encontrava vagar para ler Guattari e Lacan.
Deste modo, consegue-se não ver o que toda a gente vê, deixa-se de ver o que se continua a ver (saturação) ou olha-se para outra coisa (diversão), mesmo quando temos todas as informações à nossa disposição. Quase poderia formular esta lei psicosocial: Uma convição bem firme destrói a informação que a desmente."
Edgar Morin, As Grandes Questões do Nosso Tempo, Lisboa, Notícias Editorial, 1997, pp. 29-30.
PS: O reforço a bold é de minha autoria.
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