A estória pode ser contada mais ou menos assim. Era uma vez uma crença cegamente imposta por alguns a todos os outros, com o objectivo de enriquecer alguns e empobrecer esses mesmos outros. Essa cegueira baseada nessa crença que se convencionou designar de neoliberalismo, defendia que a economia de mercado deve ser deixada a si própria e funcionar de forma desregulada, pois parte-se do pressuposto que se cada indivíduo prosseguir com afinco os seus interesses particulares, isso vai resultar num efeito agregador, que só poderá culminar com o crescimento de mais riqueza para todos os interessados. Esta crença deu mau resultado. O desemprego estrutural de massas massificou-se ainda mais, a precarização do trabalho intensificou-se, os salários batem recordes de congelamentos, a protecção estatal na saúde, na doença e na velhice foi progressivamente sendo substituída pelo "quem pode pode, quem não pode que vá ao Totta", a educação mercadorizou-se e tem dificuldade em produzir mobilidade social ascendente e as classes ditas "médias" caminham para o seu geral empobrecimento. Em finais do início da primeira década do presente milénio chegou a crise do subprime nos EUA. Para dizer o que se passou de forma simplória, as casas atingiram um valor no mercado para os quais os americanos não tinham dinheiro para fazer funcionar o mercado. A bolha imobiliária estoirou. Depois, o resto é conhecido, as bolsas cairam a pique, grandes monstros sagrados da banca internacional estoiraram, Estados entraram em bancarrota e na economia real, empresas centenárias como a General Motors, cujo PIB anual ultrapassava em muito o PIB anual somado de dezenas de Estados nacionais, foram, perante o espanto internacional, à falência. O desemprego cresceu exponencialmente para números nunca vistos e o pânico instalou-se nas praças financeiras mundiais. Face ao descalabro provocado pelos grandes senhores da finança internacional qual a solução encontrada? O Estado, através do dinheiro dos contribuintes, o mesmo é dizer o meu e o vosso dinheiro, injecta, em massa, quantias que o cidadão comum nunca imaginará o que significam e nem nunca sequer terá uma noção do seu valor em termos do milagre da multiplicação dos pães. O "Estado", essa entidade amaldiçoada pelos neoliberais de esquerda e de direita, sempre que se fala em pôr mais dinheiro na saúde, na educação e na protecção social, arranjou de uma dia para o outro o dinheiro para "salvar" os grandes senhores da finança internacional. Em Portugal Cavaco e Silva promulgou em tempo recorde o diploma legal que aprovaria o empréstimo aos pobres capitalistas financeiros da banca nacional. Nacionalizaram-se bancos impossíveis de salvar, para vergonhosamente uns poucos meses depois haver gente sem vergonha a defender a sua reprivatização. Banqueiros inúteis que nada regularam e nada supervisionaram foram promovidos a vice-presidentes do Banco Central Europeu. Madoff foi preso pelo maior roubo da história financeira mundial e; por cá, os escândalos das grandes fraudes financeiras iam demonstrando que o nosso dinheiro estava entregue a gestores sem escrúpulos, piores na subtileza das suas trafulhices que a conceituada Dona Branca. Mas esta estória que aqui hoje vos conto já não cabe na memória dos portugueses. Os tempos premeiam o esquecimento. E é com o esquecimento que os políticos sem escrúpulos, sem honra e sem vergonha, vão jogando o jogo do poder e da produção da miséria. Como dizia há dias Rui Tavares, numa crónica do jornal Público, não é de bom tom dizer agora, que são os de sempre, os pobres e as classes médias remediadas, aqueles que vão pagar a crise. Estão aí todos os sacrificios do mundo pedidos a esses mesmos de sempre. Perante o retorno em força das receitas neoliberais, a justificação avançada é que se "os esforços" não forem feitos, os mercados reagem. Dizia e bem o Daniel Oliveira, esta semana; sim, os mercados e as agências de ratting reagem, mas felizmente, as pessoas, os sindicatos e os trabalhadores também reagem. A conflitualidade instala-se, os trabalhadores revoltam-se e a "produtividade desmotivada" não produz competitividade. É que ninguem gosta de ser roubado. Ainda por cima em grande e de forma descarada.
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