A minha Lista de blogues

domingo, julho 13, 2008

O problema dos toxicodependentes

Jornal "O Louletano" de 7 de Julho de 2008.

Ficámos a saber que na Assembleia Municipal de Loulé discutiu-se o "problema" dos toxicodependentes.

Parece que associado ao "problema" dos toxicodependentes está o "problema" dos arrumadores de carros.

Vejamos o excerto de um deputado, com nome de cantor popular, do partido que se diz socialista:

"A questão dos arrumadores de carros no Largo Engº Duarte Pacheco, em Loulé, é um caso de saúde e segurança pública. As pessoas são coagidas a dar moeda com medo de represálias. Muitas vezes assiste-se à venda de droga e ao consumo de estupefacientes naquela zona, próxima de uma escola e de equipamentos desportivos". (pág.5)

É claro que o caso de "saúde e de segurança pública" tem que ver com a saúde e a segurança dos que não são toxicodependentes, pois são esses que são incomodados com o "problema" que são os toxicodependentes.

Dos largos milhares de toneladas de droga que desembarcam anualmente nas costas algarvias nem pó, de verdadeiros traficantes nem uma só silaba e de políticas de reinserção social, na notícia referida, só o Sr. Presidente da Câmara, a intervir para relembrar, os rios de dinheiro que a mesma gasta há alguns anos sem grandes efeitos que se vejam.

O problema parece que são mesmo os toxicodependentes e o que fazer com os mesmos para que desapareçam da praça pública, pois isto não é coisa que dignifique tão ilustre cidade.

No mesmo jornal, ficamos também a saber que, onde se iria debater, já não o "problema" dos toxicodependentes, mas a problemática da toxicodependência, parece que ninguém quis saber disso para nada.

O debate foi organizado pelo partido que se diz socialista, mas o público não compareceu. Lamentou-se também o facto da ausência dos "filiados do partido".

Não sei, sinceramente, se isso foi bom ou se foi mau. Se fosse para debater ideias sobre o problema da toxicodependência certamente que seria coisa boa. Se fosse para contaminar o debate com o "problema" dos toxicodependentes, então se calhar, foi melhor que alguns dos "filiados" tenham tido mais que fazer, do que debater tais "problemas" que tanto incomodam as populações.

Porque se deixou de fazer "problema" do tráfico de droga quando somos o 2º país da Europa que mais droga recebe?

Porque nos tornámos tão indiferentes face ao problema do consumo de droga que o encaramos com tamanha indiferença e naturalidade?

Porque tão facilmente transformamos as vítimas em culpados e ficamos tão incomodados com os toxicodependentes que circulam em nosso redor numa lógica de simples sobrevivência?

Porque não encaramos o problema da toxicodependência como um problema dramático das sociedades em que vivemos?

Porque não há vontade política? Porquê?

Intervenção do BE na Assembleia da República



Ps: No próximo post abordarei o "problema" das casas devolutas, que afinal, mais não são do que "casas de chuto", sem o mínimo de condições higiénico-sanitárias e que existem um pouco por todo o concelho.

2 comentários:

  1. Parabéns, João Martins, pela sua coragem em remar contra a maré...
    É confrangedora a indiferença com que se debate o assunto da toxidependência. A não ser, como vc muito bem refere, seguir o caminho mais fácil: transformar as vítimas em culpados pelo "incómodo" que a presença deles provoca...É que as vítimas são visíveis. Os traficantes até são capazes de serem "boas pessoas"...

    ResponderEliminar
  2. Pois é, João...

    Há certas pessoas que acham sempre que o problema é dos outros, ou que os problemas dos outros só são problemas… quando nos afectam a nós!

    Que interessa se os toxicodependentes morrem por overdose? - «ora, é menos um». Ou se estão atacados por doenças infecto-transmissíveis?- «ora, não vou fazer sexo com eles…». O que interessa é que não me chateiem com a moedinha; o que interessa é que não me risquem o carrinho; o que interessa é que não roubem o telemóvel ao meu filhote…

    Aos autarcas, é claro, que o problema é outro: é que esses desgraçados não dêem aos forasteiros a imagem de que temos por cá essas situações miseráveis. Sobretudo nesta época dos turistas, o melhor é escorraçá-los para locais discretos, mandar a GNR assustá-los para que não pernoitem nos locais habituais. Olhos que não vêem, coração que não sente!

    Aos “outros políticos”, as preocupações são outras: exibir a sua “consciência cívica” a sua “preocupação social”; ainda que depois, acabem por deixar transparecer as suas verdadeiras angústias: que não lhe risquem o carrinho… porque isso é "um caso de saúde pública"!

    Discutir o problema para encontrar ou sugerir soluções? Era o que faltava! Não há o Instituto da Droga, as Unidades de Prevenção, os CATs e isso tudo? Eles não são pagos para resolver essas coisas? Desde quando é que «eu» tenho de ajudar e sugerir soluções? Se se drogam, se se querem matar, é problema «meu»?

    Discutir «não o "problema" dos toxicodependentes, mas a problemática da toxicodependência»… Isso é lá para os técnicos de saúde, para os psicólogos…

    Por isso não me admiro do que conta; que «o debate foi organizado pelo partido que se diz socialista, mas o público não compareceu. Lamentou-se também o facto da ausência dos "filiados do partido"».

    Meu caro João, vivemos numa época esquisita: num mundo global, todos queremos usufruir das suas benesses; o nosso egoísmo não nos permite ver até que ponto podemos ser de alguma forma, mesmo que ínfima, na superação de problemas.

    Os outros que vão fazendo. A gente… já lá vai!

    Um abraço, amigo

    Lourenço

    ResponderEliminar