Corriam os meados da década de 70 do século XX, quando numa manhã de Domingo, na encantadora vila de Loulé, na inocência dos meus primeiros anos de idade, desabafei, ansioso, para a minha adorada mãe, enquanto ela me vestia a "roupa de fim-de-semana" para ir à missa dominical, que nunca mais chegava o dia de eu ser "grande". Minha mãe com a perspicácia e lucidez que só as boas mães sabem ter, ouviu provavelmente com surpresa o que lhe estava a dizer, e, ao que parece, escutou também, pois de imediato me perguntou: - "E queres ser grande para quê João?" ao que lhe respondi prontamente: - "Para deixar de ir à missa". Remédio santo. A partir daquele dia abandonava a minha condição de Católico. Deus tinha morrido para mim naquele preciso dia. Em meados do século XIX, Nietzsche declarou "Deus está morto", nada mais vai ser como dantes na História da Humanidade. As legitimidades que organizam as estruturas de dominação da vida em sociedade passam agora a ser de outra ordem. Decartes salta da cartola mágica. O Homem pela razão tudo pode conhecer. É a ciencia e a técnica a chave para o progresso e para a felicidade. Marx, também ainda no século XIX, decretou: A religião é o ópio do povo. A religião é um aparelho ideológico ao serviço das estruturas de dominação social. O homem religioso é um homem alienado. Pobre, provavelmente honrado, mas explorado. A modernidade trouxe consigo a geral secularização da sociedade. Mas a religião não morreu apesar de lhe ter sido decretada por várias vezes a sua morte. Assistimos hoje ao retorno do sagrado. Deus continua vivo e bem vivo para todos os que acreditam Nele. Esta semana foi a vez de Saramago pôr em causa valores chave da fundação da civilização ocidental. Fosse eu aqui no macloulé a dizer a mesma coisa e nada passaria de "má educação". Mas foi Saramago. E Saramago é "só" hoje uma figura de proa da literatura mundial. Ele é "só" o único Nobel da literatura portuguesa. E falamos de uma das mais ricas literaturas de todo o mundo. Deus é uma criação humana, disse José Saramago: "Deus só existe na nossa cabeça, é o único lugar em que nós podemos confrontar-nos com a idéia de Deus. É isso que tenho feito, na parte que me toca". Não poderia estar mais de acordo. Esta semana fiquei também a saber que existe um euro-deputado do PSD, que se chama Mário David. Mário David está "envergonhado" com José Saramago e exortou Saramago a renunciar à nacionalidade portuguesa. Mais uma vez, a religião, como tantas outras vezes na História da Humanidade, a legitimar a exigência da expiação. Não sei nada de Mário David. Saramago eu sei que ficará inscrito na História da Humanidade. No dia que os crentes respeitem um pouco mais os não crentes e vice-versa, respeitaremos todos mais, estou convicto, a dignidade uns dos outros. É que talvez, todos "nós", espécie humana, sejamos feitos do mesmo barro.
Excelente post!!
ResponderEliminarBelíssimo apontamento!!
Grande abraço
A espécie humana está a evoluir a passos largos e não pára, há as "bruxas", que las hay hay, que tudo fazem para atrofiar a massa cinzenta mas não vão consegui-lo. Daqui a uns milhares de anos, quando o cérebro atingir o pleno, (ou quase), jamais o ser humano acreditará em deuses. Pena não estar-mos cá para assistir-mos. As religiões, (quaisquer que sejam), são na realidade, o ópio dos povos! Cumprimentos.
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