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domingo, outubro 04, 2009

O Príncipe

Não sei porquê, mas depois desta visita ao blogue Calçadão de Quarteira,"http://calcadaodequarteira.blogspot.com/2009/10/autarquicas-presidente-perdeu-o-decoro.html", apeteceu-me revisitar este post que escrevi em Dezembro de 2007...

O Príncipe

Aqueles que desejam conquistar o favor de algum príncipe costumam apresentar-se-lhe com os bens que mais prezam ou com aqueles que crê em dar-lhe maior prazer. Por isso é frequente vê-los oferecer cavalos, armas, panos de ouro, pedras preciosas e ornamentos semelhantes, dignos de sua grandeza. Desejando, pois, oferecer-me a Vossa Magnificiência com qualquer prova da minha sujeição, não encontrei, entre todas as minhas bagatelas, nada que estime e ame tanto como o conhecimento das acções das grandes personagens, que adquiri pela longa experiência das coisas modernas e pela leitura constante das antigas - conhecimento em que pensei e reflecti demoradamente e com grande cuidado, a fim de o resumir num pequeno volume que envio a Vossa Magnificiência.

Regras que o Príncipe deve seguir para conquistar e manter o poder:

1. O Principe deve, mesmo não percebendo muito de futebol e nem ter uma adoração especial por este desporto, fazer de conta que o jogo da bola é fundamental para a vida da comunidade.

1.1. Se a comunidade onde está inserido tiver vários clubes, deve ter uma forte ligação ao principal clube da terra, introduzir alguns dos seus servos na estrutura directiva do mesmo e injectar o capital financeiro que permita aos fieis da colectividade em questão viver com plena satisfação.

1.1.2. Mas o Príncipe não pode descurar os clubes menores, sob pena de gerar muitos inimigos e muito descontentamento. Deve então, ser suficientemente inteligente para dar a devida importância aos clubes em ascensão, alimentando os seus vícios, sem contudo lhes dar mais importância do que ao clube que mobiliza maior número de votantes. Há que dosear as expectativas imoderadas dos fiéis dos clubes secundários. Dar-lhe a importância quanto baste, para evitar, sobretudo, descontentamentos excessivos.

1.1.3. Convém, por isso, quando as finanças dos clubes secundários e terciários andarem pelas ruas da amargura, abrir temporariamente os cordões à bolsa, para que os súbitos não se passem para o lado dos inimigos.

1.1.4. O Príncipe deve frequentar habitualmente o Estádio do Algarve e deve obrigatoriamente torcer pela vitória dos clubes da terra e simultaneamente chorar as derrotas destes face às equipas adversárias. A vitória dos clubes locais são vitórias do Príncipe, as derrotas são também derrotas do Príncipe.

2. O Príncipe deve também ter um especial fervor pela prática da religião católica.

2.1. Deve promover as iluminações natalícias, se possível rezar o terço nas missas dominicais e deve obrigatoriamente, qual pecado mortal, nunca faltar à festa da Mãe Soberana.

2.2. O Príncipe deve inclusivamente ir em romaria logo atrás da Santa, seguir em passo vigoroso atrás dos Homens do Andor e deve rejubilar com os gritos de "Viva a Mãe Soberana". O Príncipe retirará todas as vantagens de ser dos primeiros a chegar à sagrada capela e deve deixar-se fotografar em pleno esforço a subir a abençoada ladeira.

3. Um aspecto que o Príncipe nunca pode descurar é o da propaganda, ou como hoje se diz, do marketing das cidades e da política.

3.1. O Príncipe deve financiar como puder os principais jornais locais e deve deixar-se fotografar em tudo o que é evento local, mesmo que a sua participação nesses eventos em nada acrescente aos eventos propriamente ditos.

3.2. Se o Príncipe vai ao futebol ao fim de semana deve deixar-se fotografar a dar o pontapé de saída.

3.3. Se o Príncipe vai à Feira da Serra como convidado especial, deve deixar que a sua fotografia se sobreponha aos doces tradicionais da região.

3.4. Se o Príncipe quer desenvolver os meios de comunicação audiovisuais da sua terra amada, deve tomar providências para que se assegure que na direcção de informação de tão importante orgão de propaganda estará um súbito da sua confiança que enaltece esmeradamente as suas virtudes pessoais e morais.

3.5. O Príncipe nunca, mas nunca, deve desprezar os meios de comunicação locais. Enquanto estes se servirem das virtudes do Príncipe, o Príncipe tem a seu lado um dos meios mais importantes de ocultação das suas possíveis fraquezas e um aliado fundamental na manutenção dos poderes do principado.

4. O Príncipe para manter o poder também nunca deve deixar de dar atenção às fracções da população em claro declínio social e a quem esta regressão tanto descontentamento, rancor e raiva pode potencialmente criar em seu desfavor.

4.1. O Príncipe tem que a todo o custo minorar este dano futuro elaborando estratégias preventivas que mitiguem uma possível revolta social.

4.2. O Príncipe mesmo sabendo que não resolve todos os problemas do pequeno comércio, deve fazer de conta que tudo fará para o salvar. Contrata palhaços, acordeanistas, pinta noites de claro e escuro, organiza mercadinhos, dá música às ruas desertas, incentiva o povo para que vá até ao centro da cidade passear.

4.3. O Príncipe deve sempre perceber antecipadamente onde estão os potenciais perigos e ameaças à sua manutenção no poder e deve agir celeremente após o diagnóstico da situação, sob pena de, se deixar crescer a cangrena, já não ir a tempo de a curar.

5. Mas o Príncipe deve também ser apologista do circo para o povo. Este é um método que todos os Príncipes em todos os períodos da História utilizaram. O Príncipe seria incauto em o descurar. Deve combinar-se com as bruxas, trocar as épocas do carnaval, antecipar as datas do Natal e distribuir muitas oferendas à plebe local.

6. O Príncipe deve sobretudo seguir a máxima universal de que os homens hesitam menos em prejudicar um homem que se torna amado do que outro que se torna temido, pois como se deve lembrar o Príncipe, o amor quebra-se, mas o medo mantém-se.

6.1. O Príncipe deve por isso tratar mal a oposição na Assembleia. Deve fazer-se temido pois sabe que assim será mais respeitado. Deve lembrar-se sempre o Príncipe que um líder amado é mais facilmente atraiçoado e que um líder temido é sempre mais raramente desafiado.

7. O principe deve também, apesar de ter compaixão pelos despossuídos de poder, estar sempre do lado dos poderosos.

7.1. Deve cortejá-los e respeitar as suas legítimas ambições e satisfazer ao máximo os seus desejos e aspirações.

7.2. Deve assim facilitar a construção, instituir a ponte com o mundo do futebol, aconselhar-se com os sábios da religião, elogiar o importante trabalho dos homens de opinião, ser seguidista das orientações do partido que esteve na origem da sua criação, escolher com pinças os seus secretários mais fiéis, deve cortejar com sabedoria os senhores feudais que tanto precisam do seu alimento e compaixão.

8. Por último, o Principe nunca deve esquecer, que nos Estados hereditários e habituados à estirpe do seu príncipe a dificuldade em os conservar é muito menor do que nos novos, bastando não transgredir nem violar a ordem dos antepassados e, quanto ao resto, contemporizar conforme os casos que surgirem.

Versão moderna da obra de Maquiavel, O Príncipe.


2 comentários:

  1. Caro João:

    Adorei o texto, que certamente me passou despercebido em 2007.
    Maquiavel será sempre um farol para qualquer príncipe, meu caro.
    Mas deixe-me agora «dar uma de intelectual» para completar esse seu pensamento filosófico (que o é, sob a máscara da fina e “cruel” ironia), citando Platão:

    “… logo a seguir trazem, na companhia de um numeroso coro, a insolência, a anarquia, a prodigalidade e a desfaçatez, todas resplandecentes, de cabeças coroadas; fazem o seu elogio e chamam-lhes nomes bonitos, designando a insolência por boa educação, a anarquia por liberdade, a prodigalidade por generosidade, a desfaçatez por coragem.” («República», 561).

    Eis o seu Príncipe, meu caro amigo, na sua magnificência!
    Desculpe este pretensiosismo; mas, não sei porquê, senti um impulso de fazer a citação.

    Um abraço

    J.C.S.

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  2. Olá José Carlos,

    Obrigado pelo acrescento. Condiz na perfeição.

    Um abraço!

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