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quarta-feira, dezembro 08, 2010

O IKEA, a Democracia e a Pequena Burguesia Política Local Anestesiada

A vinda do IKEA para o Parque das Cidades merece o estatuto de case study das dinamicas actuais do capitalismo global em toda a sua complexidade e da sua relação com uma certa corrosão da democracia e dos valores democráticos.

Face a uma das maiores crises da história do capitalismo global, os políticos locais, ansiosos pela atracção de "investimento externo" (?), encostam a democracia à parede, e convertem-se hipocritamente em actores centrais da gestão do "mercado". Nada de problemático haveria na defesa da sociedade de mercado, se isso não significasse, como significou aqui em Loulé, um verdadeiro atropelo à democracia e um desvirtuar claro das regras do mercado.

Recordemos os factos. O IKEA como actor transnacional da economia global estudou o mercado e concluiu que aqui havia potencial de acumulação de mais valia. O que quer dizer que a centralidade "exigida" é aquela que lhe permite chegar a um maior número de consumidores. Até aqui nada de anormal, se considerarmos que funcionamos num mercado livre (será?) pelo facto de pertencermos ao espaço económico da União Europeia. As empresas existem e são para gerar lucro e criar riqueza. Quem pensar o contrário ainda não percebeu o mundo em que vivemos. É, portanto, legitimo que assim seja.

Os atropelos à democracia começam quando o IKEA compra terrenos agrícolas (e este é o verdadeiro problema e não vale a pena desvalorizar a questão a dizer que lá só se podiam plantar nabos) e espera que a autarquia Louletana, pela mão do Dr. Emídio, autorize a respectiva urbanização de terrenos não urbanizáveis. Duas coisas atropelam a democracia aqui e não sei mesmo até que ponto não atropelam a legalidade democrática. Primeiro, nenhum actor económico gasta milhões de euros em terrenos agrícolas não urbanizáveis sem saber quantos euros vai lá colher. Em segundo lugar, o dr. Emídio, para evitar problemas legais, comprometeu-se a alterar o PDM, como o próprio assumiu publicamente, para que o problema dos "terrenos agrícolas" pudesse ser "ultrapassado". Assim ninguém corre o risco de ser acusado de favorecimento político. As leis da República já tiveram melhores dias. A democracia portuguesa também.

Para meu espanto, como reagiu a burguesia política local do centrão? Foi à missa do negócio. Há uma vereadora, que agora é independente do partido socialista, que rezou o pai nosso ao dr. Emídio. O ex-candidato de São Sebastião, do PS, de quem muito gosto, também independente, realçou a "coragem" do sr. Presidente do Concelho e ouve gentinha do PS que ficou ofendidíssima por o negócio não ter ido para outro lado. A Quercus de início fez barulho e ali para os lados de um dos principais dirigentes da Almargem ficámos a saber que o ambiente é um bom negócio. Vai sobrando, para nossa sanidade mental, como quase sempre, um deputado do Bloco de Esquerda. E assim o capitalismo vai corroendo a democracia. E não tinha que necessariamente ser assim.

Adenda final: Adoro as bandeirinhas da cidade de Loulé ao lado das bandeirinhas do Modelo e do Continente, no espaços comerciais do Modelo e do Continente. Evidente sinal dos tempos.

4 comentários:

  1. Um texto corajoso. Parabéns João Martins!!!

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  2. Tiro-lhe o chapéu pela lucidez demonstrada.Você não está só João.Mas corroída está a democracia e há desafecções que entristecem.

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  3. João, concordo plenamente com o

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  4. Ao ler o post pode se chegar, pelo menos, a duas conclusões:
    1ª - A chamada ''legalidade democrática'', doada aos eleitos através do voto, é alterada sistematicamente, de forma a satisfazer os interesses dos poderes (no caso vertente-alteração do PDM).
    2ª - Entronca com a 1ª - Democracia.
    Sendo pervertida a chamada ''legalidade democrática'', pergunto: não será pertinente evocar a democracia?

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