A minha Lista de blogues

quinta-feira, dezembro 30, 2010

Memórias de Fim de Ano



1. No momento em que escrevo estas palavras, o capitalismo atravessa uma das maiores crises cíclicas da sua História. Em resultado de politicas económicas desastrosas para uma boa parte da população mundial, inspiradas desde há algumas décadas pela ideologia neoliberal, o desemprego graça, a miséria alastra, as classes médias empobrecem e o nível de vida das populações entra numa escalada recessiva de difícil inversão no curto prazo à escala ocidental. Na sequência dos desvarios dos mercados financeiros, politicamente incentivados nas últimas décadas, no sentido da sua desregulação, o capital financeiro acumulou lucros como nunca foi capaz historicamente de o fazer, ao mesmo tempo que a economia real se afundava e que a sociedade degradava a sua capacidade de fazer futuro. A resposta à crise, assente em políticas austeritárias, é, entretanto, levada a cabo pelos mesmo actores que mais contribuiram para a produção da crise e com as respostas do mesmo tipo das que nos conduziram até aqui. O tempo é fértil para o triunfo de uma das ideologias legitimadoras da dominação mais potentes dos tempos actuais. A transformação da vitíma em culpado. Como os neoliberais acham sempre que a solução "é fazer mais com menos" e que é preciso "cortar", "emagrecer", "deixar de viver acima das possibilidades", "baixar salários", "poupar no estado social" e promover a "ideologia meritocratica" na qual "cada cidadão deve dar o melhor de si", a incapacidade dos indivíduos resolverem os problemas da sua vida só pode ser coisa da sua "responsabilidade". Está desempregado devia ter apostado na sua formação. Está doente, devia ter apostado na prevenção. Tem insucesso escolar, os seus pais deviam ter cuidado da sua educação. A substituição da ideologia da responsabilidade pela ideologia da responsabilização é um dos mais poderosos mecanismos de dominação social das sociedades contemporaneas. O contexto está aí para a reforçar. Para além deste mecanismo temo que a insegurança social resultante do medo e da incerteza face ao futuro acentue aquilo que alguns estudiosos do social têm vindo a alertar. A substituição do estado social pelo apelo a mais estado penal. Se não se resolve o problema da pobreza e dos pobres então que se prendam os pobres. É assim que já se faz nos EUA.

2. Mas os tempos actuais levantam também desafios inéditos aos governos à escala mundial, nacional, regional e local. Como referiu em tempos Daniel Bell, os Estados nacionais tornaram-se demasiado pequenos para fazer face aos grandes problemas do mundo e ao mesmo tempo eles são demasiado grandes para fazer face aos pequenos problemas diários com que se defronta a vida quotidiana das pessoas. E os desafios são enormes. Não é só a crise económica e financeira. Mas é o gigantesco problema que colocam as alterações climáticas com reflexos directos ou indirectos na capacidade de fazer desenvolvimento, na pobreza, nas desigualdades sociais e na degradação ecológica progressiva do nosso planeta. É a gigantesca questão social que coloca ao ocidente o envelhecimento progressivo da sua população. É um modelo de sociedade com um modelo de desenvolvimento económico assente no desemprego estrutural e na precarização estrutural do trabalho que coarta a capacidade de fazer futuro, pois que está assente numa lógica de curto prazo. São as novas doenças civilizatórias assentes no modo de vida ocidental. É o risco de falência do Estado Providência tal como o conhecemos até há muito pouco tempo sem se vislumbrar ainda que novas formas de solidariedade societal o poderão substituir. É o risco de novas guerras de forte dimensão resultantes da escassez relativa um pouco por todo o mundo. É a corrosão da democracia pelo capitalismo financeiro. A lista de desafios com que nos defrontamos é infindável. Trata-se de fazer e refazer o mundo com o mundo que temos debaixo dos nossos pés. Uma condição essencial para isso é a refundação do político. Não só do funcionamento dos partidos políticos mas também da relação dos cidadãos à democracia. É preciso portanto democratizar a democracia. A política não pode de maneira nenhuma ficar prisioneira dos grandes poderes económicos. Sob pena de debaixo do chavão democracia passarmos a viver outra coisa qualquer. É sempre bom relembrar que à porta de Auschwitz estava lá escrito "O trabalho liberta".

Sem comentários:

Enviar um comentário