Acabadinho de chegar a casa. Do longo dia de hoje, destaco a minha viagem de táxi do centro de Lisboa até ao Oriente. O taxista começou por me dizer que tinha transportado uma importante figura da justiça portuguesa. Um juíz. Juíz este, que lhe tinha dito que estava difícil arranjar um táxi em Lisboa. O taxista não se fez rogado e respondeu: "Deixe lá. Não arranjar táxi rapidamente pode não ser grande problema. Grave, grave, é quando não se consegue fazer justiça".
Depois mostrou-me um livro que trazia no banco da frente. A autora era Sofia Pinto Coelho e o livro "As extraordinárias aventuras da justiça portuguesa". Fiquei a saber que o taxista foi convidado para a apresentação do livro e fez questão de lá estar presente: "Era eu lá no meio daquela gente toda importante". Era "eu", lá, no meio, "deles".
Segundo me descreveu, em reacção às críticas ao sistema de justiça que por lá se fizeram, toda a minha gente assobiou para o lado. Quando a culpa é de todos, é sabido que a culpa não é de ninguém. Ouve-se a crítica e pensa-se de imediato que é uma excelente crítica ao vizinho do lado.
Aprendi com o taxista que a Sofia Pinto Coelho é filha da Maria Filomena Mónica. E que na apresentação do livro por lá esteve o António Barreto. Chegado a Oriente lá reforcei as convicções feitas do taxista. O António Barreto tem razão, a justiça é a coisinha pior que temos em Portugal. Fechei a porta do automóvel e pensei para com os meus botões: "O que a gente pode aprender num táxi"!
Esta semana que agora passou regressou em força a mediatização dos sempre "inexistentes" crimes de "colarinho branco" em Portugal. Penso que temos alguns progressos. Não sei se existe hoje mais corrupção do que há quarenta anos atrás. Duma coisa tenho a certeza. A visibilidade social da corrupção é bem maior hoje em dia. Mas o progresso não fica por aqui. Os crimes de colarinho branco já chegam aos tribunais o que quer dizer que já são investigados. E a opinião pública e publicada indigna-se. O que quer dizer que a tolerância face ao fenómeno vai diminuindo. Falta agora o mais difícil. Que os tribunais funcionem e que se apurem culpados e inocentes.
A elevada tolerância à corrupção em Portugal tem uma herança cultural pesada, que não se muda de um dia para o outro. A cunha, as trocas de favores, os "pedidos" a gente de bem, os interesses mais ou menos partilhados e facilitados, as influências que rendem beneficios e vantagens sociais, têm um largo historial na sociedade portuguesa. A indignação pública resultante da visibilidade mediática é uma parte do caminho que falta caminhar.
Um país onde a justiça não funciona e um país que tem a percepção subjectiva de que a corrupção compensa, é um país para sempre adiado. Sem capacidade de fazer justiça, não há democracia que resista. Como dizia alguém numa pastelaria louletana onde costumo tomar o pequeno almoço: "Assim eu também vou fazer falcatrua pois a coisa parece que compensa". E o pior é quando quase todos pensamos assim. O parvo, passa a ser, aquele que cumpre as regras.
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