O governo ilustra os seus actos com designações propagandísticas. Combinou com a troika cortar mais 4700 milhões de euros e não há embrulhos que escondam este desastre.
O governo convive mal com a democracia. Confunde o regime saído do 25 de Abril com a existência de maiorias parlamentares. Ora a democracia implica separação de poderes (como o judicial e executivo), respeito pela lei, protecção dos direitos sociais e defesa da liberdade de expressão. A democracia não é o império da maioria, mas a convivência com a opinião de toda a gente.
O programa económico da troika é totalitário. Não foi a eleições. Desrespeita a Constituição. E é profundamente injusto. Faz pagar a maior parte da crise pelas camadas da população que não a provocaram: os trabalhadores em geral e os reformados e funcionários públicos em particular.
Há uma nova língua governamental para o escamotear: o plano de despedir funcionários públicos sem justa causa é chamado "requalificação", com a mesma lógica, para não alertar as vítimas, com que os torcionários chamavam "duche" às câmaras de gás dos campos de concentração. Provavelmente o governo chamará aos projectados cortes de 4700 milhões de euros nas despesas do Estado "grande plano de relançamento do investimento". Há muito tempo que se percebeu que não existe uma economia comum: há vários caminhos que servem gente diferente.
O propósito do governo e da troika é fazer uma revolução conservadora que liquide as conquistas sociais de meio século dos trabalhadores europeus. Quando este governo sair deveremos mais, a economia produzirá muito menos, mas os lucros vão aumentar. A divisão dos rendimentos entre capital e trabalho será totalmente a favor dos dos detentores do capital. Com a agravante de que todos os mecanismos que permitem uma maior igualdade de
oportunidades vão ser destruídos. A saúde e os ensinos tendencialmente gratuitos deixarão de existir. Os pobres vão ser escorraçados do ensino superior, e só irão aos hospitais sem condições e superlotados para morrer.
A crise é uma máquina de guerra contra aqueles que não têm poder nesta sociedade.
Basta ver como é distribuído o esforço dos cortes. Ao mesmo tempo que garante o carácter sagrado dos contratos que fez com os grande grupos económicos nas parcerias público-privadas e nos empréstimos especulativos com swaps, o mesmo executivo retalha a seu bel-prazer os rendimentos dos reformados, fazendo tábua rasa dos compromissos que assinou com essas pessoas, e usa o fundo de pensões para amortizar a dívida pública.
Quando se fizer a autópsia desta crise vai-se perceber que houve quem lucrasse com o tipo de economia que nos levou a esta situação, mas quem pagou 90% do esforço financeiro do chamado ajustamento económico foram as camadas da população que não tiveram nenhuma responsabilidade na sua eclosão, limitaram-se a trabalhar, como sempre fizeram. Em alemão o conceito de dívida está associado à ideia de culpa. Sejamos claros, em Portugal quem está a arcar com as culpas são aqueles que não decidiram as políticas que levaram ao aumento exponencial das dívidas: não destruíram os sectores produtivos e o emprego em troca de subsídios europeus, não apostaram numa moeda única que serve apenas os países do centro da Europa.
Há várias formas de sair desta crise: A do reforço de austeridade que propõe a troika e uma política que, pelo contrário, aposte nas pessoas que trabalham e numa sociedade que crie igualdade de oportunidades de modo a potenciar o melhor de todos. Cabe-nos a nós decidir o rumo. É a isto que
se chama democracia.
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