"O urbanismo no seu sentido mais amplo é uma actividade eminentemente democrática que remete para as escolhas políticas informadas, para o debate e a confrontação entre diferentes projectos políticos sobre a pólis, para a existência de cidadãos activos e informados com vontade de participar e de agir em defesa dos seus interesses individuais ou de grupo. No urbanismo o que se deve valorizar é a confrontação, a discussão, o debate, a validação de hipóteses e a sua rejeição, a oposição entre os contrários, a escolha e a decisão democráticas.
Não estamos perante uma actividade neutra ou asséptica servida por um tecnicismo iluminado, de preferência com a chancela universitária, capaz de garantir por si só a qualidade da «nossa» política por oposição a uma «outra» política.
O debate urbanístico, sendo o tempo por excelência do debate democrático sobre o futuro da pólis, é o tempo por excelência da democracia participativa, o tempo da recusa do determinismo fatalista na construção do nosso futuro.
Percebe-se com facilidade que num país em que o debate político está marcado pelo fatalismo, pela política do «tem que ser», do «não pode ser de outra maneira», do «é a globalização», o debate urbanístico tenha estiolado e não tenha passado de um nível incipiente. Percebe-se, por isso, que cada vez mais as soluções sobre política urbanística sejam servidas aos cidadãos já «prontas», poupando-lhes o incómodo da participação.
Numa sociedade em que o poder representativo se sente ameaçado pelo poder participativo, em que o poder político idealiza o cidadão como alguém que não participa, não opina, não luta, não se manifesta, o debate e a prática urbanísticas tendem a definhar. Abundam por aí processos de revisão dos instrumentos de planeamento urbanísticos muito «participativos», abertos à «discussão e à participação de todos» mas que se organizam ao longo de estreitos carreiros em torno da «ideia única», em que as conclusões precedem o debate e nos quais a prévia discussão sobre os caminhos já percorridos são encarados como actividades hostis e por isso simplesmente eliminadas.
O debate urbanístico tem hoje um único campo de desenvolvimento aceitável pelo poder político dominante ao nível central ou local, seja ele qual for: despolitizar-se porque, pasme-se, a política é assumida como uma actividade impura capaz de contaminar a pólis.
O tecnicismo dominante, cuja maior expressão já não é apenas o pequeno conjunto dos que fazem as leis mas também o pequeno grupo, quase omnipresente, dos que põem e dispõem sobre estratégias e modelos de desenvolvimento e de financiamento, transmite-nos a ideia de que as escolhas feitas, e a fazer, não têm qualquer relação com os projectos políticos em presença e são do domínio do inevitável."
Das políticas urbanas por José Carlos Guinote
in http://pt.mondediplo.com/spip.php?article213
PS: Sugere-se a leitura integral do artigo na última edição do Le Monde Diplomatique.
Obrigado João, por este forte contributo que esclarece os "quistos" do Urbanismo/Licenciamento. Mais ainda agradece, a causa de S. Sebastião, a oportuna imagem que publicaste pois marca o fulcro de toda a trama anti-democrática que o texto aborda!
ResponderEliminarQuando olhei para a foto acreditem que nem reconheci o lugar. Pareceu-me
ResponderEliminarque seria noutra terra. Espero bem que não haja repetições. É que geralmente todos aprendemos com os erros do passado. Palma
Mais triste do que um jardim triste só o jardim que foi de S. Francisco.
ResponderEliminarJ. Joaquim
A questão do urbanismo, é uma questão vital, apresenta vários vectores, um deles é a construção/criação das cidades onde nós vivemos.Logo face a alguns projectos urge perguntar: Esta é a cidade com qual me identifico? Gosto de viver e crescer neste espaço criado para comum?
ResponderEliminarA resposta a estas e outras questões, condiciona a participação cívica ou democrática. Por um lado se o que os governantes executam não tem relação com os/as cidadãos/ãs surge o alheamento o distanciamento e a não participação.
Então a pólis despolitizada(não participada) é um equívoco com uma contradição intrínseca, a arte de governar a pólis e participação na mesma é embrião da democracia, se no nosso tempo as cidades são criadas tecnicamente e sem participação do tecido a quem se dirigem, então os/as senhores/as da Pólis, a arte governar a pólis, não o é, não é uma arte nobre,mas sim a execução de pareceres iluminados que se julgam no direito de criarem espaços comum, mas que de tal só têm o nome uma vez que o tecido social não se revê e com os quais não se identifica.
Luis
A cidade é de todos mas alguns os que mandam acham que as suas ideias (más) devem prevalecer sobre o resto. Mal. Mal. Vieira
ResponderEliminarEstranha imagem esta, é mesmo desconfortável. Mais desconfortável ainda é ver que se continua a destruir o que resta do património arquitectónico da cidade. São Sebastião está mesmo pelas ruas da amargura. É para continuar?... Quem é que põe cobro a estas situações?...Onde é que estão as forças vivas do bom senso da cidade?...Não caiam no deixa andar, que é a pior coisa que pode acontecer nestas circunstâncias. Cumprimentos.
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