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domingo, janeiro 27, 2008

Afinal, há mais vida para além do orçamento: A falácia dos profetas do terceiro milénio

Afinal, a ciência utilizada como profecia, acaba sempre por dar mau resultado. É da ciência económica que vos falo e sobretudo da sua má utilização pelos novos profetas da política.

1. George Soros, Multimilionário Norte-Americano interpretava assim, aquilo que designa como a mais grave crise dos últimos 60 anos

"A actual crise financeira desencadeada pelo colapso da bolha imobiliária, nos Estados Unidos, marca também o fim de uma era de expansão do crédito assente no dólar como a moeda de reserva internacional. É uma tempestade muito maior do que qualquer outra ocorrida desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Para compreender o que está a acontecer, precisamos de um novo paradigma. Esse paradigma está disponível na teoria da reflectividade que propus pela primeira vez, há 20 anos, no meu livro "The Alchemy of Finance" (A Alquimia das Finanças). Esta teoria defende que os mercados financeiros não tendem para o equilíbrio. Opiniões tendenciosas e ideias erradas entre cooperadores dos mercados financeiros introduzem incerteza e maior imprevisibilidade não apenas relativamente aos preços do mercado, mas também aos princípios fundamentais que se espera que esses preços reflictam.

Entregues a si próprios, os mercados têm tendência para extremos de euforia e de desespero. Na realidade, devido à sua potencial instabilidade, os mercados financeiros não são deixados entregues a si próprios; estão a cargo de autoridades responsáveis cujo trabalho é manter os excessos dentro dos limites. Mas as autoridades também são humanas e sujeitas a opiniões tendenciosas e a ideias erradas, além de que a interacção entre os mercados financeiros e as autoridades que os controlam é também reflexiva.

Os ciclos económicos de altos e baixos (boom-bust) giram normalmente em torno do crédito e envolvem sempre um preconceito ou uma ideia errada– normalmente uma falha em reconhecer uma ligação circular reflexiva entre a pronta disponibilidade para emprestar e o valor da garantia. O recente boom imobiliário dos Estados Unidos é um bom pretexto. Mas o super boom dos últimos 60 anos é um caso mais complicado. Cada vez que a expansão do crédito causava problemas, as autoridades financeiras intervinham, injectando liquidez e descobrindo outras formas de estimular a economia.

Isso criou um sistema de incentivos assimétricos – também conhecido como perigo moral – que favorecia uma expansão cada vez maior do crédito. O sistema tinha tanto sucesso que as pessoas acabaram por acreditar naquilo a que o ex-Presidente Ronald Reagan chamou “a magia do mercado” e a que eu chamo fundamentalismo do mercado.

Os fundamentalistas crêem que os mercados tendem para o equilíbrio e que se serve melhor o interesse comum se se permitir que os participantes ajam em interesse próprio. Isso é um equívoco óbvio, porque foi a intervenção das autoridades que evitou que os mercados financeiros entrassem em colapso, não foram os próprios mercados. No entanto, o fundamentalismo de mercado instalou-se como ideologia dominante nos anos 1980, quando os mercados financeiros começaram a tornar-se globalizados e os Estados Unidos começaram a sofrer um défice de conta-corrente.

Desde 1980 que as regulamentações têm vindo progressivamente a afrouxar até que praticamente desapareceram. A globalização permitiu que os Estados Unidos absorvessem as poupanças do resto do mundo e consumissem mais do que aquilo que produziam, com o seu défice de conta-corrente a atingir os 6,2 por cento do PIB em 2006. Os mercados financeiros encorajavam os consumidores a pedir empréstimos introduzindo instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados e condições mais generosas. As autoridades financeiras ajudavam e estimulavam o processo intervindo sempre que o sistema financeiro global estava em risco.

O "superboom" ficou fora de controlo quando os novos produtos financeiros se tornaram tão complexos que as autoridades financeiras já não conseguiam calcular os riscos e começaram a contar com os métodos de gestão de risco dos próprios bancos. Do mesmo modo, as agências de "rating" contavam com a informação fornecida pelos criadores de produtos sintéticos. Era um abdicar de responsabilidades verdadeiramente chocante. Tudo o que podia correr mal, correu mal.

Começou com as hipotecas "subprime" (créditos hipotecários de alto risco), alastrou a todas as obrigações de dívida com garantia, pôs em perigo a mediação de seguros e resseguros municipais e hipotecários e ameaçou destruir o mercado de trocas com um incumprimento de crédito de vários milhões de milhões de dólares. Os compromissos dos bancos de investimento com aquisições alavancadas transformaram-se em passivos. Os fundos de cobertura sem risco acabaram por não ser sem risco e tiveram de ser postos de parte.

O mercado do papel comercial coberto por activos estagnou e os meios especiais de investimento estabelecidos por bancos para retirarem as hipotecas dos seus balanços já não conseguiam passar sem financiamento externo.O golpe de misericórdia aconteceu quando o empréstimo interbancário, vital no sistema financeiro, foi interrompido pelo facto de os bancos terem de gerir os seus recursos e não poderem confiarnos seus homólogos.

Os bancos centrais tiveram de injectar uma quantia sem precedentes e tiveram de alargar o crédito sobre títulos sem precedentes ao maior leque de instituições de sempre. Isso transformou a crise na mais grave desde a Segunda Guerra Mundial. À expansão do crédito deverá agora seguir-se um período de contracção, porque alguns dos novos instrumentos e práticas do crédito são perversos e insustentáveis. Além disso, a capacidade das autoridades financeiras de estimular a economia está limitada pela falta de vontade do resto do mundo para acumular reservas de dólares adicionais.

Até há pouco tempo os investidores esperavam que a Reserva Federal norte-americana fizesse o que fosse necessário para evitar uma recessão, porque foi o que fez em anteriores ocasiões. Agora são obrigados a reconhecer que a Fed pode já não estar em posição de o poder fazer. Com o petróleo, os alimentos e outros bens essenciais sem sofrer alteração e o renminbi [moeda chinesa, cuja unidade é o yuan] a valorizar-se um pouco mais rapidamente, a Fed tem também de se preocupar com a inflação.

Se as taxas de juro fossem diminuídas para além de um certo ponto, o dólar sofria nova pressão e as obrigações de longo prazo teriam de facto maior lucro. É impossível determinar qual é esse ponto, mas quando ele for atingido, chega ao fim a capacidade da Fed de estimular a economia. Embora seja agora mais ou menos inevitável a ocorrência de uma recessão no mundo desenvolvido, a tendência na China, na Índia e em alguns dos países produtores de petróleo é manifestamente oposta.

Consequentemente, é mais provável que a actual crise financeira cause um realinhamento radical da economia global do que uma recessão global, vindo a verificar-se um relativo declínio dos Estados Unidos e a ascensão da China e de outros países em vias de desenvolvimento. O perigo é que as tensões políticas daí resultantes, incluindo o proteccionismo norte-americano, possam causar o colapso da economia global e lançar o mundo numa recessão – ou pior."
Fonte: Jornal Público de 24/01/2008

2. Por sua vez o Director Executivo do FMI, uma das grandes intâncias transnacionais da gestão do mundo económico, promotora da Bíblia Neoliberal, defende agora a intervenção do Estado na economia. Alguém percebe? Talvez...
Fonte: Público, 27 de Janeiro de 2008:

"FMI surpreende e defende subida dos défices públicos para controlar a crise.

O director executivo do Fundo Monetário Internacional surpreendeu ontem os participantes no encontro anual de Davos com um apelo à aplicação de políticas orçamentais mais expansionistas para ajudar a resolver a actual situação de crise económica mundial. Uma declaração deste tipo, muito rara nos responsáveis do Fundo, foi vista como mais um indício claro de que a presente conjuntura é de grande gravidade.

Dominique Strauss-Kahn, que lidera o FMI há poucos meses, defendeu que "não se pode apenas depender da política monetária" para dar uma resposta ao forte abrandamento económico. E concretizou: "Alguns países não estão em posição de agravar os seus défices, mas outros têm espaço de manobra para algum estímulo orçamental".

Os comentários foram recebidos com surpresa pelos participantes do Forum Económico Mundial. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro nos EUA, que falava na mesma sessão de Strauss-Kahn, assinalou o "momento histórico". É a primeira vez num quarto de século que o director executivo do FMI apela a uma subida dos défices. Tradicionalmente é sempre consolidação orçamental" afirmou, assinalando que via este "reconhecimento como um indicador da gravidade da situação que enfrentamos."

3. Resta-nos refletir, o que significou a "vitória" do governo de Sócrates da redução do défice, quando a sua política se centrou nesse mero dogma, à custa do agravamento das desigualdades sociais, da penalização das classes mais pobres e da "perseguição" às classes médias?

Deixo-vos com o primeiro embate parlamentar entre José Sócrates e Santana Lopes em 15 de Outubro de 2004 quando era Primeiro Ministro Santana Lopes:

José Sócrates - "Durante dois anos, a maioria e o Governo prometeram ao País uma política baseada na obsessão do défice orçamental e para isso congelou os salários, subiu os impostos e cortou no investimento público. Ao fim de dois anos, o que é que temos? Temos, crise, temos recessão, temos desemprego e não conseguiram baixar o défice abaixo dos 3%. Sr. primeiro-ministro, o que prometeu aos portugueses foi fazer gelo quente, mas – lamento desiludi-lo, sr. Primeiro-ministro – gelo quente não existe!..."

José Sócrates - “Sr. PM, - desculpe dizer-lhe – os portugueses vão ficando com a sensação, e nós também, de que verdadeiramente o dr. Santana Lopes não está no lugar certo, não tem jeito para isto!... A conclusão a que chegamos é que o dr. Santana Lopes não tem jeito para primeiro-ministro.”
Fonte: http://elevadordabica.blogspot.com/2007/11/santana-vs-scrates-o-primeiro-embate.html

Palavras para quê? Poderiámos inverter os nomes dos interlocutores e fazer o debate ao contrário? O que acham?

PS: Os sublinhados dos textos originais são nossos.

Boa Semana

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