É já um lugar-comum, mas um dos benefícios adquiridos pela direita em Portugal é a incapacidade da esquerda em se unir e convergir em estratégias que assegurem a conquista do poder. O assunto é até motivo de riso, de tão previsível. E a cada nova tentativa para provocar uma dinâmica de unidade à esquerda proliferam os comentários irónicos, manifestando descrédito.
Esta situação confirmou-se esta semana com a assunção, por parte do BE, da sua indisponibilidade para integrar um movimento unitário de candidatura às eleições europeias (PÚBLICO 28/01/2014). O coordenador João Semedo anunciou que este partido irá candidatar-se em lista própria, que será encabeçada pela eurodeputada Marisa Matias. Uma decisão que levou ao abandono da direcção do BE da antiga deputada Ana Drago.
Foi assim rejeitada a proposta feita por 65 promotores do Manifesto 3D, que integra uma série de personalidades de esquerda actualmente sem partido, mas que, na sua maioria, já militaram em organizações políticas. Uma proposta de convergência que passava pela constituição de uma lista comum de independentes e de partidos de esquerda, nomeadamente, o BE e o partido Livre, que vive hoje o seu congresso fundador.
O BE é um partido cuja fundação, ocorrida para se candidatar às europeias de 1999, foi precisamente um dos poucos momentos em que, à esquerda, foi possível eleger deputados à Assembleia da República, unificando num só partido-movimento o PSR, a UDP e a Política XXI, o nome que o MDP adoptou quando nele entraram os membros da Plataforma de Esquerda, associação que agregou ex-militantes do PCP. Mas neste momento o BE sofre do problema comum aos partidos de esquerda em Portugal: a incapacidade para se unir a organizações rivais em torno de propostas para a sociedade e de um programa de governo.
Ora, esta incapacidade não se deve a questões de protagonismo e de vaidade pessoal dos dirigentes e das personalidades de esquerda, por muito que esta explicação possa ser fácil de usar. O problema é mais profundo, existe em Portugal mesmo antes do 25 de Abril e tem a ver com a matriz das organizações políticas à esquerda do PS. Um modelo organizativo político que tem como referência em Portugal o PCP, que passa pelo funcionamento de acordo com as regras do centralismo democrático ou próximas dele, e que vive da ideia de se constituir em partido de vanguarda revolucionária que conduzirá à emancipação libertadora do povo, os trabalhadores, os operários, consoante o léxico nas diferentes épocas.
O vanguardismo político próprio das forças que bebem no modelo de acção política leninista concretizou-se historicamente no chamado "frentismo político", através de movimentos unitários de Frente Popular. Conduzidos pelo Movimento Comunista Internacional, estes movimentos em Portugal foram liderados pelo PCP. Esta concepção vanguardista tem, desde os anos 40 do século XX, em Álvaro Cunhal o principal teorizador, mesmo antes de este ser eleito secretário-geral do PCP em 1961. Como bem explica João Madeira, na sua recente História do PCP (Edições Tinta da China), esse modelo frentista em que o PCP era a força dominante, foi seguido em praticamente todos os movimentos unitários de oposição à ditadura de Oliveira Salazar. Assim como é esta a concepção vigente no PCP ao manter a CDU, por menor que esta coligação surja, quando comparada com movimentos como o MUNAF ou o MUD.
A questão é que em democracias que vivem na era da globalização e da comunicação imateralizada é difícil, senão mesmo impossível, funcionar como partidos de vanguarda. Assim como é impossível organizar movimentos democráticos e transversais hoje em dia com forças que persistem em considerar-se como vanguardas e se vêem como as detentoras da via correcta e da verdadeira linha justa para a condução das massas, num mundo em que estas subsistem enquanto eleitores, contribuintes, consumidores, utentes, etc.
Hoje em dia parece difícil, senão mesmo impossível, haver quem pense que existem massas para conduzir. E a ideia de vanguarda política surge desfasada na era da comunicação de massas. Mas o que é facto é que, mesmo que não o assumam e até nem disso tenham consciência, os dirigentes dos partidos à esquerda do PS estão impedidos de convergirem pelo facto de se considerarem a si mesmos e à sua organização como a verdadeira vanguarda, como os detentores da via única, da linha justa, e que por isso devem ser eles a força dominante e motriz de qualquer solução de esquerda.
E assim continuam a falar sozinhos e longe de poderem aspirar a exercer ou influenciar directa e pragmaticamente o poder – prolongando a presunção mítica de que, um dia, serão eles que irão conduzir as massas, quais messias anunciados e redentores.
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