Enquanto a população deste maravilhoso cantinho é assaltada e vai regredir para níveis de exploração do século xix, há grupos que escolheram passar o seu tempo a discutir. Nas páginas dos jornais e nos sites das várias formações de esquerda, nomeadamente o Bloco e o Livre, encontram-se atarefados numa animada polémica. O resto da população está mergulhada na destruição do país pela política de direita, mas a nossa extrema-esquerda está concentrada numa disputa fundamental e a praticar o popular desporto de ver quem tem a pilinha maior.
Vamos aterrar no planeta Terra. Vivemos em plena revolução de direita: no fim deste processo todo o trabalho deixará de ter direitos. Toda a gente vai ser precária e mal paga. As reformas serão mais tarde e simbólicas. O Serviço Nacional de Saúde será muito pior e apenas para os indigentes. O ensino superior será um luxo para ricos. Todas as empresas públicas serão entregues, a preço de saldos, a monopólios privados, muitos deles estrangeiros. O pequeno e incipiente Estado social português, em relação aos seus congéneres europeus, não existirá. Os trabalhadores trabalharão ainda mais horas que o resto dos europeus e receberão ainda menos que eles. Daqui a um par de anos os salários reais terão sido reduzidos mais de 30%. Os pobres serão mais pobres e os ricos ainda mais ricos. Portugal reforçará a sua liderança dos países mais desiguais da Europa e do mundo. No termo deste período, os trabalhadores e os reformados terão pago milhares de milhões de euros do buraco financeiros dos grandes bancos. Ficarão por pagar, pelos seus filhos e netos, os negócios, de mais de 60 mil milhões de euros, feitos com esses mesmos grupos financeiros, como as parcerias público-privadas e os swaps. Água e energia estarão totalmente nas mãos dos privados. Aos pobres poderá ser cortado o acesso à água para beber. Terão uma vida mais curta e difícil: os mais novos terão de emigrar, os mais velhos não vão conseguir sobreviver com as suas reformas e não terão acesso a nenhum emprego. A maioria da população fará ganchos para empresas lucrativas que pagarão muito abaixo do salário mínimo. Os sindicatos perderão grande parte da sua força. Ser sindicalizado é o primeiro passo para ser despedido. E como não há trabalhadores com emprego estável, e são residuais aqueles que têm estabilidade no sector público, os sindicatos vão desaparecendo. A nossa dívida, superior a 130% do PIB, é impagável. Vamos ser esmifrados durante mais de 50 anos para a pagar e no fim ainda não estará liquidada. Teremos gerações sacrificadas. Os actuais governantes e os próximos, que se propõem cumprir as políticas neoliberais da troika, terão empregos garantidos nos grandes grupos económicos e financeiros, como tiveram os anteriores ministros da Economia, das Finanças e das Obras Públicas.
Este é o cenário que está à vista. À esquerda, contra a política da troika, exige-se que resista, mas sobretudo que a derrote.
Parafraseando um político britânico, "quando o país esperava que a extrema-esquerda crescesse, ela engordou".
Precisamos de acções que dêem poder às pessoas e que recusem guerras sectárias e unam na acção todos aqueles que se opõem à política de austeridade sobre a população e de enriquecimento dos muito ricos. É preciso criar alternativas a este desastre. Visivelmente elas passam por uma democracia em que o poder está nos cidadãos e não nos poderosos, mas também por uma prática partidária que consiga ver para além dos umbigos dos dirigentes da extrema-esquerda.
Por Nuno Ramos de Almeida
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