O suicídio nacional
"Os salários têm que descer em Portugal" afirmam os economistas do regime. E acrescentam, "até Krugman, que é o darling da esquerda, afirma que os salários devem descer 30%". Contudo, não esclarecem que esta afirmação foi efectuada há mais de um ano. E não informam, ainda, que, neste último ano, a massa salarial teve uma queda de cerca de 30%. Para estes fundamentalistas, é absolutamente negligenciável o facto de um em cada três portugueses estar desempregado ou subempregado e de a economia estar a morrer, em resultado das políticas suicidárias de austeridade. Assim, a ortodoxia económica (responsável pelo o actual estado caótico em que nos encontramos) continua a insistir em novos cortes salariais apesar da evidência demonstrar que é absolutamente falsa a necessidade de descer mais os salários. Senão vejamos, na medição da produtividade das empresas são incorporados vários factores, designadamente a energia, os transportes, as comunicações, os salários, os impostos, etc. Se, nesta estratégia de desvalorização interna, na minha opinião, errada, os salários já desceram em 30%, colocando a produtividade nos níveis médios europeus, e as empresas nacionais continuam a não ser competitivas, então, dever-se-á efectuar mais cortes, mas nos restantes factores. Isto é, não devem ser efectuados mais cortes nos salários, pois (para além destes terem resultado já numa tragédia social e económica) só agravará ainda mais o estado depauperado do país. Por conseguinte, o ajustamento dos níveis de produtividade deverão ser efectuados através de cortes no preço da energia, dos transportes, das comunicações, das portagens e até dos impostos (cujo aumento resultou, não surpreendentemente, na queda da receita fiscal). Todos nós sabemos que estes factores são os mais caros da UE relativamente ao respectivo PIB, que estas empresas apresentaram lucros multibilionários (para beneficio, apenas, de alguns) empobrecendo o resto do país e que os seus gestores auferem salários obscenos (até no contexto internacional). Embora, o memorando da Troika preveja a abertura destes sectores da economia à concorrência, o facto é que até à presente data não foi tomada nenhuma medida nesse sentido. Por isso, coloca-se a seguinte questão: porque não baixam os preços? Pela simples razão de que não existe diferença entre os líderes políticos e os líderes económicos. Todos sabemos que a maior central de negócios é o Parlamento e o Governo. Todos nós sabemos que os líderes políticos são os gestores destas empresas ou a elas têm fortíssimas ligações. Logo, as suas maiores preocupações é apenas satisfazer os interesses dos acionistas e assegurar, no futuro, os seus empregos quando não estiverem no Governo. Neste sentido, Eduardo Catroga e Miguel Frasquilho, entre muitos outros, constituem um paradigma a estudar. Lamentavelmente, a ortodoxia económica dominante esqueceu o que aprendeu no primeiro ano dos seus cursos, nomeadamente, que em períodos de recessão ou abrandamento económico devem ser implementadas medidas monetárias expansionistas. Contudo, escandalosamente mais grave são os cortes cegos e draconianos às Universidades e à investigação científica, que pode comprometer o futuro de um Portugal moderno e desenvolvido. Não bastasse o facto de grande parte dos professores universitários serem precários e milhares de alunos estarem a abandonar as licenciaturas por dificuldades económicas, acresce que milhares de investigadores nos US vêm agora os seus doutoramentos e pós-doutoramentos seriamente comprometidos em resultado dos cortes em cerca de 60% no subsídio às propinas. Vale a pena lembrar que as bolsas não são actualizadas há mais de dez anos. Deste modo, inaceitavelmente, milhares de mentes brilhantes portuguesas irão abandonar os seus projectos de investigação com grande prejuízo para o país. Como é possível que os portugueses (talvez hipnotizados pelo futebol, pelas telenovelas e pelos centro comerciais) assistam à destruição da economia e do modelo social de forma passiva? A democracia não se esgota no voto. Em democracia, para além da separação de poderes, de pesos e contrapesos, exige-se também a participação de todos de forma activa e atenta. Mas, a insanidade torna-se insustentável em Espanha, o epicentro da crise, onde o futuro da UE se irá decidir. Este país já em recessão comatosa com cerca de 25% de desempregados (sendo 50% jovens), a ortodoxia económica impõe mais austeridade o que já resultou não só no agravamento da recessão, como também no dramático aumento dos juros da dívida. Está alguém surpreendido?
Por Domingos Ferreira, Professor Universitário, Investigador na Área Económica.
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