Este ano o verão começou politicamente quente e, tal como nas previsões meteorológicas, a "instabilidade" continua, pois a resistência popular ao empobrecimento, à destruição do trabalho e dos direitos também promete continuar para tentar evitar que os ladrões que têm roubado e endividado o país se mantenham os mandantes dos governos.
A crise governamental de início de julho é uma consequência (tardia) das feridas mortais que as manifestações de 15 de setembro provocaram no governo Passos/Portas. A carta de demissão de Vitor Gaspar mostra bem como, em Setembro de 2012, o governo perdeu a tolerância que lhe tinha sido permitida pela onda de contestação ao anterior governo Sócrates.
Esta crise é também a consequência próxima de uma grande resistência dos professores aos planos de despedimentos e ataques às condições laborais neste sector, o que significava o reinício da aplicação de mais esta fase de medidas de "austeridade", ou seja, de mais ataques a quem trabalha, começando pelo sector público. A troika tinha acordado com o governo mais um plano de cortes no emprego e nas condições de trabalho.
Pela organização do calendário laboral, o governo tinha decidido começar já pelos professores e despedir muitos milhares no reinicio do ano letivo, no próximo mês de setembro. A justa e forte luta dos professores obrigou o governo a recuar, e a troika não gostou, e isso foi a gota de água que deixou de segurar Gaspar ao governo. Com a sua demissão abriu-se novamente a crise e desorientação nos governantes. Com o fim do governo à vista, Portas tenta salvar-se e salvar o CDS da maior penalização eleitoral, mas os mandantes do governo, os banqueiros e grandes empresários deram ordens para que tivesse juízo pois o governo ainda podia aguentar e não era altura dos ratos abandonarem o navio que se afunda... Lentamente, mas que ainda "navega".
É este prolongar de uma "navegação" governamental que ainda faz muitos estragos às condições de vida e emprego do povo, dos trabalhadores e da juventude, que pretendem os banqueiros e os grandes patrões. Por isso, Cavaco propõe mais um remendo e uma governação de "salvação" para garantir os pagamentos à troika. Por isso, tentam um compromisso dos apoiantes do memorando para evitar que um governo ainda mais fraco que o anterior naufrague completamente antes de chegar à praia, como voltou a afirmar Passos Coelho no parlamento.
Para iludir a contestação popular e preparar terreno a um novo governo que se mantenha fiel à troika, Cavaco acenou com eleições em Junho de 2014 mantendo até lá esta política há muito contestada pelo povo.
Desde há cerca de um ano que a contestação popular tem sido muito forte e, por isso, a grande questão é saber porque ainda não caíram de vez este governo e esta política criminosa. A resposta não pode ser encontrada em mitos de "brandura" ou "burrice" que muitos atribuem ao povo. A resposta sobre a "ineficácia" de tanta contestação devemos ir procurá-la na prática daqueles que têm dirigido os movimentos e as organizações sindicais e partidárias que encabeçam as diversas contestações e lutas.
Contrariamente ao exemplo recente do Brasil, onde a continuidade das grandes mobilizações obrigou os governos estaduais e central a cederem, gerando uma dinâmica de vitória popular, em Portugal as grandes mobilizações de 15 de Setembro não autoconvocaram a sua continuidade, pois os seus porta-vozes preferiram entregar a continuidade da luta aos sindicatos para que "convocassem uma greve geral", o que fizeram... mas dois meses depois. Com esta política deram tempo ao governo para se reestabelecer.
É tempo da contestação em Portugal ter outro rumo, aprender com os exemplos das continuadas e vitoriosas manifestações do Egipto ou do Brasil. Para derrubar de vez este governo e esta política é preciso um novo 15 de setembro. Uma nova revolta e manifestação popular que se mantenha mobilizada nas ruas.
O ânimo popular para uma tal manifestação seria favorecido com a construção de uma alternativa política ao governo e à troika (e a todos os que subscreveram o memorando). Erguer tal alternativa de unidade de esquerda contra a troika é uma necessidade popular e uma obrigação dos principais partidos na esquerda parlamentar (PCP e BE). O MAS continuará a pugnar pela continuidade das mobilizações para derrubar Passos e Portas e em prol de ajudar a erguer uma alternativa à política de austeridade do euro, da troika e da UE.
Editorial Jornal Ruptura nº131, Julho 2013
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