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segunda-feira, novembro 22, 2010

Uma Vereadora Atenta à Blogosfera

1. Quem não se sente não é filho de boa gente. Hortense Morgado, a vereadora recentemente vítima de "saneamento" (não sei se deva pôr aspas) político por parte do PS Loulé, sentiu-se da crítica a algumas afirmações suas expressas no seu blogue e feitas neste espaço pela minha pessoa. Confesso a minha satisfação pelo acompanhamento de alguns dos principais responsáveis políticos louletanos do que se vai passando aqui na blogosfera. Ao contrário do que se poderia pensar, a blogosfera mais não é do que mais um veículo entre muitos outros, que num tempo recente, veio permitir a explosão da palavra pública através da voz dos cidadãos. É muito positivo que a senhora vereadora valorize o que se passa na blogosfera.

2. Tendo sido talvez duro na crítica, devo dizer que simpatizo bastante com alguns dos aspectos da trajectória política de Hortense Morgado. Do acompanhamento distanciado que faço da política partidária apraz-me dizer que criei a ideia de estar perante uma mulher de convicções políticas. Foi assim a quando da sua posição contra o devastador abate arbóreo levado a cabo pela governação do dr. Emídio em Quarteira. Foi assim a quando perante um feroz ataque da masculinidade hegemónica dos homens de topo do partido, resistiu como poucos o saberiam fazer à luta interna partidária. Foi assim quando se assumiu como vereadora de corpo inteiro na Câmara Municipal de Loulé. O mesmo já não posso dizer de alguns dos consensualismos em "prole do desenvolvimento do concelho de Loulé" que vem manifestando nos últimos tempos como vereadora. Gostei mais da Hortense Morgado que luta pelas suas posições para conquistar posições (legítimas) no partido, do que a Hortense Morgado que "colabora" com o dr. Emídio na "salvação da Nação".

3. A reacção sentida da vereadora da Câmara de Loulé, deve-se à minha crítica à sua posição crítica, de a mesma defender que não basta que os movimentos de cidadãos assumam uma posição crítica face à governação, mas é preciso que os mesmos ajudem a encontrar alternativas e soluções políticas. Ora este é um ponto onde contínuo a exercer a minha postura crítica. Se é certo que não posso estar mais de acordo com a ideia de que cada cidadão deve dar o melhor de si (dentro das suas possibilidades muito desigualmente repartidas consoante os recursos económicos e culturais que dispõe) na construção colectiva da coisa pública, também é certo que a crítica política da crítica, com forte intensidade desde o governo de José Sócrates, mais não tem sido do que o exercer de uma forte pressão política para a anulação da crítica política.

4. É neste sentido que referi que Sócrates fez escola. Se alguns, com o exercício da crítica ao "bota baixismo" o fazem de forma plenamente consciente, sabendo bem o que estão a fazer, acredito, que este seja um discurso, que se compra e que se vende, muitas vezes, de forma mais ou menos inconsciente. Não sei se será o caso da senhora vereadora. Mas o contexto político mais vasto da crítica à "maledicência" deveria levar a uma reflexão do que é afinal a democracia. Esta disputa crítica com Hortense Morgado faz-me levar para uma reflexão que desde à algum tempo para aqui queria trazer. Sejamos claros. Se o discurso político governativo actual recorre à crítica da crítica, para desvalorizar a crítica política, é necessário relembrar com todas as letras que a critica é algo que percorreu toda a história das sociedades modernas, mesmo nos regimes de onde ela aparentemente poderia ser eliminada. Ao contrário do que algumas mentes maniqueístas nos querem fazer crer, o próprio lugar da crítica, tem no seu oposto, inevitavelmente, uma alternativa política.

5. Quanto alguém critica o devastador abate de árvores em frente à Câmara Municipal de Loulé, à Assembleia Municipal de Loulé e à sede do Partido Socialista, esse alguém, está a propor como alternativa social e política que a cidade deve manter as suas árvores, deve manter os seus espaços verdes e assim cultivar a ideia de desenvolvimento sustentável. Quando alguém critica a introdução do pagamento da derrama para os pequenos e médios empresários, está a propor a alternativa social e política de que, face à brutal crise económica, não é mais possível penalizar os pequenos e médios empresários sob pena de os sufocar economicamente. Quando alguém crítica a introdução de portagens na Via do Infante, está a propor a alternativa de não penalizar mais a economia da região e a dizer que não está disposto a correr o risco do aumento da sinistralidade rodoviária na Estrada Nacional 125.

6. Quando alguém crítica, é preciso procurar captar os fundamentos da crítica. Só a brutal incapacidade de escutar a voz dos cidadãos, o mesmo é dizer, a voz do povo, por parte do poder político, pode conseguir transformar a crítica política, no mais vulgar "bota abaixismo". Foi assim que se conseguiu o verdadeiro milagre de juntar mais de cem mil professores contra Sócrates e a sua Ministra da Educação.

7. Recorre Hortense Morgado a uma conhecida citação de Kennedy, para invocar a sua escola democrática. Certo dia, numa prova de exame, nos meus tempos de aluno da universidade, emoldurei a resposta a uma das perguntas colocadas com essa mesma citação: "Não perguntes o que pode o teu país fazer por ti, pergunta antes o que podes tu fazer pelo teu país". Até hoje estou convencido que a mesma professora que me dava sempre boas notas, desta vez utilizou esta passagem para que a nota ficasse por ali. Hoje, à distância, não posso deixar de pensar que esta afirmação de J. F. Kennedy, centrada sobre a valorização do individualismo meritocrático, mais não é, do que uma forma rebuscada de ideologia neoliberal. Em nome da responsabilização individual de cada um, o Estado e a colectividade podem desta forma aligeirar as suas responsabilidades. É esse o centro nevrálgico da ideologia neoliberal. Pior mesmo, depois de Kennedy, só o que que viria a defender Margaret Tacher nos anos 1980: Não existe sociedade, só existem os indivíduos. O descalabro está aí à vista.

8. Por fim, uma pequena observação. O argumento de Hortense Morgado que remete para o "uso da chupeta" não tem validade política. Equivale no espaço da ciência ao argumento "autoridade científica" baseado apenas e só no mero estatuto já conquistado pelo investigador veterano da ciência. Se o argumento "uso da chupeta" tiver valor, Salazar era um modelo perfeito a seguir. Stalin seria um excelente guia ideológico e Hitler um político às direitas. Felizmente o argumento "uso da chupeta" não conta. O que conta em democracia é mesmo o debate e o valor das ideias. Prezo muito que Hortense Morgado acompanhe o que se vai passando na blogosfera. Penso que é um exemplo a seguir pelos outros políticos. Com escuta activa, de preferência.

Ver a resposta de Hortense Morgado à minha crítica aqui:
http://hortense-morgado.blogs.sapo.pt/21383.html

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