Como estamos hoje portugueses, 36 anos depois da Revolução de Abril? Resposta difícil a uma pergunta de contornos mal definidos. A vastidão globalizante que enforma uma pergunta deste tipo só pode ter como resultado uma igual resposta vaga. Mas vale a pena dizer qualquer coisinha sobre o assunto. O Portugal pobre e honrado de Salazar está em vias de extinção. O país rural, pobre e analfabeto mudou totalmente a sua faceta. As habitações dos portugueses na sua maioria já não têm ratoeiras e ratos. Já não há retretes nas cozinhas. Os pés descalços, andam agora, mais ou menos, confortavelmente calçados. Já não se vai à boleia para a praia de Quarteira. Raramente se cospe para o chão e os dentes dos portugueses sofreram uma considerável melhoria. O desmancho passou a interrupção voluntária da gravidez e a pouca criançada que hoje vem ao mundo tem quase cem por cento garantida a sua sobrevivência. Somos hoje mais altos e temos melhor saúde. A minha avô já não diz que vem aí a PIDE para me conseguir meter em casa e os turistas já não olham para nós como europeus de terceira categoria. Os livros da Gina já não fazem sensação e a censura oficial já não tem cartas de alforria. Já não há partido único e vão diminuindo os "chefes" de família. Elas já não precisam de autorização para casar e os isqueiros já não precisam de licença. Um romântico beijo de namorados no Jardim dos Amuados já não dá visita ao posto e as reguadas da minha professora primária seriam hoje uma violência. Acabou-se a autoridade que não se discute e as crianças ganharam direito a existir. A passagem pela guerra de África ou pelo exilío no estrangeiro ficou para os armazéns da memória e a emigração a salto para França já faz parte da história. Aprende-se mais e melhor e a ignorância em massa foi à vida. TV Cabo, Vodafone, computador, wirless, i-pad, youtube, magalhães e internet são o pão nosso de cada dia. Quase toda a gente tem televisão, carro, telemóvel, frigorifico, torradeira e máquina de lavar. Muitos têm casa própria e poucos dispensam o centro comercial. Vive-se mais tempo e com maior qualidade de vida. Viaja-se mais e mais barato. Sentimo-nos mais europeus. Temos o sentimento de fazer parte do globo. Abril abriu-nos a porta ao mundo. Abril foi um dia feliz. Mas a pobreza não se foi embora de todo. As desigualdades ainda escandalizam. A corrupção grassa no aparelho de Estado e nas autarquias. Os partidos políticos perderam o crédito. A economia arrasta-se. O aparelho produtivo tem dificuldades na sua reconversão. A imigração explodiu mas a emigração ainda é maciça. A cidadania apesar de crescer, é ainda diminuta. O desemprego e o precariado instalaram-se na estrutura societal. A incerteza coartou a capacidade de fazer futuro e o medo traz consigo a insegurança. Instala-se o descrédito e hipoteca-se a esperança e a "globalização" e os "mercados" ameaçam com a bancarrota. Novos tempos com novos graves problemas. Não precisamos de um novo Abril. Precisamos de mais Abril. Democratizar a democracia. Diminuir as desigualdades. Reduzir a pobreza. Tornar justo o sistema de justiça. Igualizar as oportunidade sociais. São as utopias realistas que fazem o mundo andar para a frente. Portugal precisa urgentemente de utopias realistas. E de políticos capazes de as estimular.
Incontestávelmente estamos melhor. Somos outro País apesar das falhas e do que deveria ter sido feito e não foi. Por isso mesmo Abril tem de ser cumprido todos os dias. Viva o 25 de Abril. Abraço - Palma
ResponderEliminarPortugal precisa de utopias realistas.
ResponderEliminarHá muito por fazer e apesar de haver muitos que não queiram vamos certamente conseguir com os restantes. E seremos muitos. Beto
Soberbo texto João! Estou plenamente de acordo e nessa causa de Alimentar Abril! Vamos, então, para a Revolução!
ResponderEliminarPortugal tinha ficado estagnado se não fosse a Revolução dos Cravos? A qualidade de vida era igual à que existia há 36 anos atrás? A liberdade que desfrutamos dá de comida a quem tem fome e emprego a quem não trabalha? A liberdade de expressão de que desfrutamos tem levado os corruptos para as prisões? As desigualdades sociais reduziram-se desde que vivemos em democracia? As denúncias relativas aos altas remunerações de certos gestores têm sido tomadas em consideração?
ResponderEliminarJá se fala em Revolução como quem elege um Presidente de um qualquer partido ao fim de semana. Sejamos honestos e deixemos de «anarquices».
ResponderEliminarHá muito por concretizar toda a gente sabe. Soluções à vista ? Não aparecem as maganas. Viva Abril sempre vivo.
Zeca
Não há mágoas nem queixas ou indignações, frustrações, rancores e revoltas que apaguem o significado e a profundidade das mudanças de 24 para 25 de Abril de 1974. Mas não vou gastar latim retórico a enumerar os indicadores da mudança pois ia-vos enfadar sem conseguir ser exaustivo. Escolho, por isso e neste dia, apenas uma provocação simbólica: imaginam as damas, as senhoras, as jovens e as adolescentes que só pelo 25 de Abril se tornou possível saírem à rua e ocuparem espaços públicos sem serem mandadas, impedidas, molestadas ou incomodadas? Não sejam modestas em demasia, minhas caras concidadãs, vocês foram, sobretudo por mérito vosso (pois claro), a conquista menos corroída, porque mais estrutural, daquela madrugada.
ResponderEliminarJoão Tunes