Hoje em Loulé, à porta do Modelo-Continente, uma cigana de idade já avançada, todo o seu rosto e corpo marcado pela mais extrema miséria, sentada no chão ao frio e ao relento, aborda-me, a pedir qualquer coisa. Joguei a mão à algibeira para tirar umas poucas moedas. Disse-me que não queria dinheiro mas sim comida. Pediu-me um frango e fruta. Entrei no hipermercado meio perturbado. O que ia fazer não passava pelo hipermercado e estava à pressa. No mundo em que vivemos muitos de nós não têm tempo uns para os outros e nem sequer para nós próprios. Caixas de pagamento cheias de gente nas filas, optei por comprar duas sandes mistas e levar-lhe à saída, o que agradeceu. Dentro do Modelo, cinco metros à frente da cigana, estava uma voluntária do Banco Alimentar a fazer recolha de alimentos. Não resisti e fui confrontá-la com o paradoxo. Está uma senhora ali à porta, aqui mesmo ao lado, a pedir comida. Disse-me que a senhora está ali quase todos os dias a pedir comida. Perguntei-lhe qual era a função do Banco Alimentar. Se era pelo facto da senhora ser cigana que não lhe dão comida. Respondeu-me que era só voluntária e que iria dizer qualquer coisa à supervisora para ver o que poderia fazer. Percebi que a burocracia, a organização e a hierarquia do Banco Alimentar não prevê a situação dramática de ter gente a cinco metros da recolha alimentar a passar fome. Tempos cruéis estes em que vivemos. O grau de desumanização social pode sempre chegar onde a nossa imaginação não chega.
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