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sábado, abril 04, 2015

Ensaio Sobre A Lucidez

Crise do euro, crise do social-liberalismo
 
António Costa renunciou à presidência da Câmara Municipal de Lisboa para ocupar a tempo inteiro as funções de secretário-geral do PS. Não falta quem diga que a afirmação do partido nas sondagens foi prejudicada pelo atraso nesta decisão. Porém, há algo de mais profundo que escapa ao folclore dos noticiários, algo que liga episódios tão diversos como a pesada derrota do PS na Madeira, o descalabro do PS francês, o declínio do PSOE em Espanha e a crise do Partido Democrático italiano, para não falar do desaparecimento do PASOK na Grécia. Salta à vista que a crise da zona euro é também a crise da social-democracia europeia, na sua versão social-liberal, após Mitterrand ter substituído o socialismo democrático pelo europeísmo ordoliberal. Antes de mais, o confronto entre o governo grego e a troika (agora “Grupo de Bruxelas”) clarificou os limites da tolerância dos nossos credores relativamente à política orçamental e não deixou dúvidas quanto ao que se deve entender por “reformas estruturais” a promover nos países da zona euro, sobretudo na periferia endividada. É relativamente às reformas no sistema de pensões e à legislação laboral que se trava um braço-de-ferro nas negociações com o governo grego, ao mesmo tempo que este é sufocado financeiramente pelo BCE. Qualquer que seja a escolha do governo liderado por Alexis Tsipras, ruptura ou capitulação, uma coisa é certa: a social-democracia europeia participou neste processo de chantagem sobre um governo com programa social-democrata que foi legitimado pelo voto para suspender as medidas de austeridade. Como há muito viu Dani Rodrik (“Greek Elections, Democracy, Political Trilemma, and all that”), a integração económico-financeira supranacional é incompatível com o exercício da democracia. António Costa sabe que não pode prometer aos portugueses outra política económica, ou sequer um modelo de desenvolvimento com alguma fundamentação realista. Os portugueses vão percebendo que afinal não há luz ao fundo do túnel, e isso vê-se nas sondagens. Depois, mesmo que o impacto da saída da Grécia seja contido pela intervenção enérgica do BCE nos mercados financeiros, a sobrevivência da zona euro está longe de garantida. Com a proibição da política orçamental, mesmo com o desemprego ao nível da Grande Depressão, não há instrumentos de política económica que permitam enfrentar a gravíssima crise de procura produzida pelo fim do endividamento externo fácil da periferia. Antes de a crise de 2008 atingir a Europa, na ausência do risco de desvalorização com a adopção do euro, os spreads das taxas de juro quase desapareceram, pelo que o crédito dos países ricos se tornou muito acessível aos bancos dos países menos desenvolvidos. Por conseguinte, a financeirização das periferias foi obra conjunta de credores e devedores e, embora os bancos credores tenham até agora sido poupados aos prejuízos decorrentes dos elevados riscos que assumiram, isso não significa que os seus países consigam escapar aos efeitos da bancarrota que ajudaram a criar. António Costa e a sua equipa de economistas deviam meditar nestas palavras de Michael Pettis: “Depois de muitos anos a negar a insolvência, e muitos anos de promessas de que as reformas seriam implementadas e conduziriam a um crescimento suficiente para resolver o endividamento, os decisores políticos de países como Espanha serão forçados a mudar de posição ou serão demitidos pelo voto – simplesmente porque as condições económicas se terão deteriorado tão drasticamente que uma reestruturação não poderá ser adiada por mais tempo.” (“When do we decide that Europe must restructure much of its debt?”). Assim, os partidos do social-liberalismo da periferia estão confrontados com um dilema vital: renegar a moeda única para recuperar a política económica da esquerda, ou desaparecer como corrente política relevante. Do meu ponto de vista, a ideologia social-liberal, e os interesses que envolvem estes partidos, impedem o reconhecimento do dilema tornando-os irreformáveis. Este é o drama da social-democracia europeísta.
 
Por Jorge Bateira

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