Uma turma de adolescentes esperava, num autocarro, a partida para mais uma visita de estudo. A professora recebe um telefonema. O autocarro não podia partir. A polícia iria lá deter uma aluna. Leonarda, 15 anos, cigana, filha de um kosovar, integrada no País, escolarizada, com boas notas e quase já só dominando a língua francesa, teria de ser detida. O presidente da Câmara de Levier disse à professora que ia passar o telefone à polícia. Um polícia explicou-lhe que tinha que prender a aluna, porque ela estava em situação irregular. "Eu disse-lhe que não me podia pedir uma coisa tão desumana, mas ele respondeu que ia haver eleições e que eu devia parar imediatamente o autocarro". Crime: filha de imigrantes ilegais. Pena: expulsão imediata para um país que não conhecia, no próprio dia. Motivo: ser exemplo e ganhar votos.
E assim foi: em frente aos colegas, Leonarda foi levada como uma criminosa. A classe política francesa, a começar pelo ministro do Interior, Manuel Valls, estava em campanha. Não contra, mas em competição com a senhora Le Pen. Leonarda era apenas um dano colateral. E foi "conforme a regulamentação em vigor" e com apoio muito significativo dos franceses normais, porque assim se resume a banalidade do mal, que a deportação se fez. Felizmente, como tantas vezes acontece nos momentos de desnorte moral dos países, resistiram os estudantes, que, em Paris, fecharam 14 escolas em protesto.
Incapaz de fazer frente à senhora Merkel, o governo francês escolheu uma cigana de 15 anos para fazer uma demonstração de vigilância patriótica. Incapaz de se bater por uma redistribuição de poder na Europa, os ciganos romenos e búlgaros passaram a ser os alvos de todo o populismo do senhor Manuel Valls. Incapaz de enfrentar a Frente Nacional no que realmente a está fazes crescer - a crise económica e social, que permitiu a Marine Le Pen roubar à esquerda grande parte das suas bandeiras sociais -, o PSF preferiu ficar com a agenda mais abjeta e cobarde da extrema-direita: a perseguição aos imigrantes.
Mas a mão musculada com os mais fracos rende votos. Dizem as sondagens que a esmagadora maioria dos franceses aplaude a deportação de estrangeiros e que a maioria é contra o regresso da família de Leonarda a França. Provavelmente os mesmos que celebram a França da liberdade e da tolerância, que apagou da sua memória coletiva o colaboracionismo, o antissemitismo e o apoio ativo dos seus cidadãos a outras deportações. A França que, ao contrário dos alemães, refez a sua história à custa do heroísmo de uma pequena minoria de resistentes. Essa França da retórica tolerante e de uma xenofobia sem paralelo na Europa Ocidental, sempre foi pasto fácil para fascistas de várias cores. A inteligência da filha de Le Pen, mais polida e cuidadosa do que o pai, assim como a crise e a falta de coluna da esquerda francesa, está a tratar do resto. E lentamente o mainstream da política francesa vai mudando assustadoramente de lugar. Hoje está, como se viu pela reação da opinião pública ao caso de Leonarda, em recantos bem escuros da memória coletiva da Europa.
Como resolveu François Hollande este imbróglio? Permite que Leonarda, de 15 anos, regresse a França, desde que sozinha. Pode escolher entre ficar num país que não conhece e onde os ciganos são ferozmente perseguidos ou voltar para França sem a sua família. E Hollande consegue o pleno. Para agradar a todos não agrada a ninguém. Nem à generalidade dos franceses, para quem, anestesiados pela intolerância, este gesto, que cinicamente o ministro do Interior chamou de "generoso", parece sinal de fraqueza. Le Pen disse mesmo que era uma "humilhação" para a França, pois Leonarda já não é Leonarda, é apenas um objeto político. Nem à minoria que ainda mantém sinais de vida emocional, a quem a escolha entre o exílio e a família parece uma proposta inapresentável a uma adolescente de 15 anos. Nem à esquerda, nem à direita, nem ao seu próprio partido. Nem sequer apenas a quem tenha um bocadinho de bom senso.
Mas isto é Hollande. Mas isto é o PSF. Mas isto é aquilo em que se transformaram os socialistas e social-democratas europeus. Radicalmente moderados. Tão moderados que não têm posição sobre coisa alguma. Nem sobre o mais elementar do mais elementar. Camaleões em busca de voto, farão tudo para não ter de fazer nada. Até que as Le Pen desta Europa lhes levem todo o eleitorado. Hollande bem avisou que seria um presidente normal. O meio de tudo. Ou seja: nada.
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