Revisitando os resultados das últimas eleições intercalares em Lisboa a mais forte conclusão que um analista não tendencioso pode tirar é a da crise de legitimidade da democracia representativa.
1. Desde logo porque o grande "vencedor" do dia foi a abstenção. Uns largamente preocupantes 63%. Este é sem dúvida o dado socio-político mais significativo.
2. Constatou-se também que os candidatos "dissidentes" dos partidos, os auto-denominados independentes, dos Movimentos "Lisboa com Carmona" e "Cidadãos por Lisboa" de Helena Roseta conseguiram aproximadamente 32% dos votos.
3. O candidato vencedor tem menos votos que os dois movimentos de dissidentes juntos (29,54%).
4. O candidato do PSD fica reduzido à infima expressão eleitoral de 15,74%.
5. Os pequenos partidos, à excepção do Bloco e do PCP que tiveram ligeiras quebras mas cuja tendência é de estabilidade na expressão eleitoral, ficaram reduzidos a pó.
6. Facto extraordinário e relativamente ignorado pelas análises politico-partidárias e mediatico-jornalisticas, a percentagem de votos nulos e em branco atingiu valores de uma expressão assinalável. O total de votos em branco (2,32%) e nulos (1,58%) ultrapassa o total de votos do CDS/PP (3,70%) e o total da soma de votos de todos os pequenos partidos sem representação parlamentar (PCTP/MRPP (1,59%); P.N.R (0,77%); PND (0,71%); MPT (0,54) e PPM (0,38%).
A profecia de Saramago no seu Ensaio sobre a Lucidez teve aqui uma pequena manifestação.
Não há dúvidas sobre o afastamento dos eleitores em relação aos eleitos e dos cidadãos em relação à politica partidária.
A partidocracia reduziu a democracia portuguesa à descrença na política, nos partidos e à capacidade dos mesmos como factor de transformação social da vida dos cidadãos.
O fenómeno é complexo e as causas são múltiplas mas há um factor que é evidente. A prática política dos actuais actores políticos e o fechamento dos partidos políticos sobre si "rebentou" com a legitimidade dos mesmos na condução da vida dos cidadãos.
A política reduziu-se ao económico. São os grandes interesses económicos que traçam o rumo da política económica e social. A política económica deixa pouco ou nenhum espaço para as diferenças que poderiam distinguir direita e esquerda.
A mediatização da vida política e o governo pelas "sondagens" reduziu a política a chavões bons para vender sabonetes, não se discutindo e debatendo as grandes questões de fundo; os políticos tornaram-se profissionais em busca da sua sobrevivência e dos lugares políticos e sociais mais vantajosos para os seus destinos pessoais.
Se há decadas atrás jogar no benfica era a referência de todo o jogador profissional que ali chegava, agora o Benfica é uma rampa de lançamento para os melhores clubes da Europa. A política seguiu os passos do futebol, veja-se o caso Durão Barroso.
A política nacional tornou-se um trampolim para os apetecíveis cargos a nível europeu.
A distância que vai da intriga política, da disputa e trocas de lugares, da visão e da mundivisão dos principais actores políticos em relação à realidade da vida quotidiana e dos problemas dos portugueses é abissal.
O primeiro ministro Sócrates (o tal que detesta os blogues e o que por lá se diz) deu hoje uma entrevista na SIC. É fascinante como a lógica de manutenção do poder faz recusar a realidade que temos pela frente. Entrou-se numa fase é que é preciso ser imune à critíca, em que é preciso acreditar nas suas "verdades" e em si próprio. Dentro em breve tornar-se-á necessário acreditar nas "mentiras" (ponho entre aspas não vá o diabo tecê-las) que se vão auto-produzindo...o pior é que quando isso acontece, é o fim de um ciclo político aquilo que se anuncia...e a seguir virá coisa melhor?
PS: Não quero deixar de dizer para não passar por velho do restelo que a política é a mais nobre das artes...O pior não é a política. São as práticas políticas actuais.
Abraços democráticos
"O pior não é a política. São as práticas políticas actuais..."
ResponderEliminarEstá tudo dito, João ...!
Um abraço da M&M & Cª!
No "Ensaio sobre a Lucidez" José Saramago alertou e bem para o problema da descredibilização dos partidos e dos políticos actuais. Eu acho que não é normal, tendo eu 27 anos, nunca me ter interessado por política e consequentemente pelos destinos da minha região ou do meu país. E tenho a convicção que tal não se deve em grande parte a mim, mas ao estado actual da Democracia em Portugal e nos aparelhos que a regulam.
ResponderEliminarUm Abraço e bom Domingo.
Obs.: Por problemas técnicos o meu blogue regressou aqui:
http://www.petemichael.blogspot.com