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domingo, janeiro 14, 2007

Retratos de um país à beira mar plantado

Cavaco e Silva foi à India falar do Portugal do século XXI:

"Um país empreendedor, confiante em si próprio, com fortes padrões de disciplina e estabilidade financeiras"
Público de 13 de Janeiro de 2007


Eça de Queiróz comenta nas Farpas:

"Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem como única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.

Ninguém crê na solidariedade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inercia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideais aumenta em cada dia.

Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida da mesa das secretárias para a mesa dos cafés. A ruína económica cresce, cresce,cresce. As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui.

O Estado é tratado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número de escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de vinho, trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora: ignorante, entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva unicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática.

No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padres-nossos maquinais.

Não é uma existência, é uma expiação.

A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: o país está perdido!

Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete que de norte a sul, no Estado, na economia, na moral, o país está desorganizado - e pede-se conhaque!

Assim todas as consciências certificam a podridão, mas todos os temperamentos se dão bem na podridão!"

Eça de Queirós, As Farpas, Maio de 1871

Ps: Que cada um faça a interpretação que lhe parecer mais justa.

Bom fim de semana para todos e um abraço especial para o Luisão do Benfica.

1 comentário:

  1. João,

    E todos os dias, há novidades fabulasticas no nosso Portugal ...!

    Em todo o caso,

    Um BOM FDS!
    Um abraço da Matilde e cª!

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