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domingo, maio 07, 2006

Problemas da cidade de Loulé 20: Quando dizer é fazer: Há coisas que um presidente não pode dizer

Segundo o jornal Expresso deste Sábado, Cavaco Silva, dignissímo e excelentíssimo Presidente da República Portuguesa afirmou que pensa que a situação da economia portuguesa está "condenada" até 2010 e que nem tem a certeza que a mesma melhor depois disso.

Este homem que raramente se engana e nunca tem dúvidas, se tivesse lido os filósofos da linguagem como Austin e seus pares saberia com toda a certeza que falar é agir e ao contrário do ditado que refere que palavras leva-as o vento, as nossas enunciações discursivas são actos que afectam a vida de todos nós.

Se tivesse lido ainda Bourdieu e a sua brilhante obra, saberia também com certeza que os lugares de onde se fala dão ao que se diz a magia da "verdade" dos factos, provocando um impacto tanto maior quanto maior a importância do lugar de onde se enuncia aquilo que se está a dizer.

Resumindo, deixando-nos de filosofar em torno dos actos de linguagem, o que eu quero dizer é que falar não é só dizer, mas também fazer. As nossas falas são actos que afectam e transformam as nossas interacções e a nossa vida social quotidiana.

Austin ilustra isto brilhantemente com o ritual do batizo e do casamento demonstrando que só quando o padre declara "eu te batizo" ou enuncia "declaro-vos marido e mulher" é que os actos de batizar e de casar se concretizam.

Isso quer dizer que se o pacato cidadão de Boliqueime, Aníbal Silva, disser que a economia está no "fundo", quando muito, provoca uma discussão entre amigos no café junto às bombas de gasolina desta pacata vila e não afecta a quantidade de moedas que os mesmos têm no bolso.

Se for o presidente Cavaco e Silva a dizer que a economia está no "fundo" isso arrasa a confiança completa dos investidores contribuindo para um maior afundamento dessa mesma economia.

Também Freitas do Amaral deveria ler Austin e Bourdieu pois sofre do mesmo problema de mau uso da palavra quando quem fala é o cargo e não o homem que o veste.

Disse Freitas do Amaral que está "cansado" por causa do desgaste do lugar de Ministro de Negócios Estrangeiros, pela elevada exigência do mesmo. Pois é, bela elocução performativa cujos efeitos sociais e políticos fazem as delícias da nossa praça, principalmente dos seus opositores.

A isto chama-se dar um tiro no pé...

Recomendo vivamente a leitura de Austin na sua obra "Quando dizer é fazer" e a de Bourdieu "O que falar quer dizer"...Pode ser que assim o mau uso da palavra diminua e que os tiros de caçadeira não acertem tantas vezes no dedo mindinho do "pé grande" dos nossos governantes...ops...disse "pé grande"? Desculpem, vou já a correr ler Austin e Bourdieu.

Abraços e beijinhos para a malta da blogosfera.

João Martins

2 comentários:

  1. Obrigado pela dica literária ...

    Vou tentar ler de imediato, os autores que recomendas ...

    Para ver se consigo endireitar a minha Economia Doméstica!

    Boa Semana ...

    Bjks da Matilde

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