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sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Problemas da cidade de Loulé 7: O médico sapateiro no Centro de Saúde de Loulé

Como todos já percebemos o clima terrestre anda completamente às "avessas". Tsunamis, furacões, chuvas torrenciais nos momentos e locais onde menos se espera e fortíssimas oscilações entre períodos de calor e de frio são realidade com que passámos a conviver.
Existe hoje um consenso na comunidade científica de que este tipo de fenómenos tem vindo a ocorrer com cada vez maior frequência e maior intensidade, sendo plausível correlacioná-los com o crescimento das sociedades industriais e a sua capacidade poluente.

Loulé, porque não consegue escapar a este movimento de globalização das alterações climáticas, teve a semana passada uns dias em que o frio pouco habitual para um algarvio digno desse nome ultrapassou os padrões de normalidade da nossa praça.
Como todos sabemos nestas alturas em que o frio aperta, as principais vitímas são os cidadãos mais fragilizados, tais como,idosos e crianças.

É importante lembrar que apesar de sermos dos países da Europa (o primeiro se não estou em erro) com mais horas de sol, somos também aquele em que a probabilidade de morte por causa do frio é maior.
A explicação é fácil, confiamos tanto no nosso bom clima que descuramos completamente a construção dos edifícios em que habitamos (aqui estava um bom motivo de conversa entre políticos e construtores).

Mas não era disto que vos queria falar...o assunto é que o meu Pedrocas ficou com uma forte constipação, devido a esta "anormalidade" (por enquanto) climática.
Três da manhã e lá vou eu preocupado com o estado de saúde do meu bébe.
Centro de Saúde vazio (a esta hora e com este frio ninguém quer ficar doente). Primeiro cliente a ser atendido (coisa inedita) e o médico de serviço manda despir o Pedro...

Primeira perplexidade: O srº doutor "tenta" ver a garganta do Pedro e este recusa. Importante dizer que se trata de um bébé de um ano.

Nova investida do médico para tentar desempenhar competentemente o seu ofício...o Pedro volta a fugir...faz birra e recusa ser tocado por esta estranha criatura...O médico acaba de perceber que está perante um agente activo com vontade própria e fica com um ar entre o zangado e o frustrado...

Segunda perplexidade: O médico amuou e acaba por desistir temporariamente de auscultar o bébé. A sua comunicação verbal e não verbal indicia que a culpa é da mãe do bébé que não o sabe segurar correctamente...

Fiquei entretanto espantado, meio irritado e impávido perante tal deformação profissional...pensei...o médico parece um sapateiro (sem desprimor desta nobre profissão)...que incrível falta de jeito...e nem sequer é espanhol...

Por fim, lá se realizou a consulta com alguma normalidade e o Pedro veio para casa curar o resto da constipação.

Escrevo estas palavras pois quero só alertar para a importância de uma formação inicial e contínua de carácter humanista na formação em medicina.
Se o médico é um ser social que lida diariamente com outros seres sociais na sua vida profissional é inadmissível que a formação continue centrada no paradigma biomédico e numa perspectiva meramente tecnicista.

Só com uma formação humanista poderão estes profissionais perceber que um utente adulto não é o mesmo que uma criança e vice versa e que cada utente é um caso unico que implica um saber fazer específico...e um conjunto de competências sociais que estão para além da mera especialidade científico-técnica...

Talvez assim também os médicos aprendessem com os seus doentes e contríbuisssem para a melhoria da saúde dos mesmos...sim, porque a construção social da saúde e da doença é uma construção interactiva, onde o assumir do papel de doente pode ser tão ou mais importante no dignóstico e no tratamento do doente, do que a mera prescrição médica baseada no seu poder pericial.

Abraços a todo o pessoal

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