Só há uma forma de impedir que uma mentira mil vezes repetida se torne verdade: é denunciá-la mil e uma vezes, desmascarar e derrotar os mentirosos. Todos os grandes objetivos assumidos pela troika e pelo Governo português, no "memorando" que nos foi imposto em 2011, falharam! A dívida do país não para de crescer, já vai em 134% do PIB. Este que era (e é) o primeiro grande problema a resolver, já nem entra nos temas do dia a dia do discurso do Governo. O défice externo não tem o reequilíbrio tão propalado pelos governantes e por forças que os apoiam. O desemprego é muito elevado e a qualidade do emprego caiu brutalmente. O Estado está hoje em muito piores condições para desempenhar as suas funções, para servir os portugueses, as organizações e instituições da sociedade. As metas do défice orçamental não serão cumpridas, mas isso também já deixou de ser grande preocupação governamental.
O povo há de aguentar e pagar em nome de um "interesse nacional" que não é mais que o interesse dos grandes senhores do capital financeiro e económico internacional e nacional. As grandes fortunas escondidas em paraísos fiscais não param de aumentar. Segundo Gabriel Zucman, só na Suíça, uns quantos portugueses já tinham, em 2013, 30 mil milhões de euros. Quanto terão nos outros centros offshore como as ilhas Caimão, Singapura ou Luxemburgo? Os governantes que temos - uns espertalhuços e outros medíocres, mas todos sem escrúpulos ou toldados pelo poder - estão pragmaticamente no Governo para fazer carreira no sistema, como se confirmará no futuro.
Basta olhar as prioridades e os enfoques temáticos da agenda do Governo, do presidente da República, dos partidos que os apoiam, das forças e poderes da regulação, para se perceber a burla política que significam os atos de governação que temos. De quando em vez, fazem aprovar uma lei, tomam uma decisão ou criam uma comissão na Assembleia da República, com objetivos que até parecem nobres. Mas, se ficarmos atentos, vemos que depois não lhes dão eficácia. Eles sabem muito bem que quanto mais ocos os planos que criam, menor a eficácia no combate às injustiças, às ilegalidades, aos oportunismos.
O plenário da Assembleia da República reúne de forma extraordinária para impor, de imediato, um corte de 34 milhões nos salários dos trabalhadores da Administração Pública. "É urgente", por causa do equilíbrio orçamental. Dizem-nos que as poucas centenas de milhões de euros inerentes aos salários e pensões a que os portugueses têm direito podem "fazer ir por água abaixo" todo o "êxito" das políticas até agora desenvolvidas. Contudo, sem um mínimo de explicação fundamentada sobre a situação do Grupo Espírito Santo (GES), mobilizaram, de forma escondida, alguns milhares de milhões de euros para cobrir buracos de negócios ruinosos. O caso GES/BES é apenas um pedaço do icebergue das injustiças, da podridão, da promiscuidade entre poderes públicos e privados, do processo especulativo e de destruição produtiva que conduziram o país a esta crise.
A União Europeia não consegue sair do marasmo económico em que está atolada, caminha para um retrocesso social e civilizacional generalizado. Os principais "motores da Europa" estão profundamente envolvidos na manipulação e dissimulação de operações económicas e financeiras que roubam os povos a favor dos muito ricos, bem como na política internacional geradora dos cenários de barbárie que perigosamente estamos vivendo.
São necessárias condenações gerais destas políticas, denúncia deste criminoso capitalismo neoliberal, afirmação de sistemas alternativos. Mas, internamente, urge forçar os limites da ordem europeia estabelecida, no quadro de uma estratégia política que assuma, sem rodeios, todas as ruturas necessárias à defesa do direito ao trabalho digno, à saúde, à educação, à segurança social, à justiça e à democracia. Quem se meter nesta tarefa, não conseguirá apoios financeiros dos grandes senhores do capital financeiro e económico para campanhas eleitorais e outras, mas, com muito trabalho e paciência para digerir insultos, acabará por ter o apoio de grande parte dos portugueses.
Por Manuel Carvalho da Silva
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