Alguns velhos conhecidos estranham esta minha intensa intervenção cívica chegando alguns deles a descobrir, eureka, o que me faz andar por aí em manifestações. Seria provavelmente o tacho. Essa instituição nacional. Só poderia ser isso pois de outra coisa não seria de esperar. Que Portugal esteja a ser destruído por políticas criminosas pela Troika e pelo Governo PSD/CDS isso é coisa que pouco importa. Que a recessão seja já a maior desde pelo menos o 25 de Abril de 1974 é coisa que lhes passa ao lado. Que a pobreza se esteja indecorosamente a aproximar dos melhores tempos do salazarismo é coisa a que são indiferentes. Que os salários de quem trabalha estejam a ser despudoradamente roubados à revelia das leis constitucionais da República não parece incomodar. Que os reformados sejam brutamente violentados nos seus direitos, tomem lá para não serem privilegiados. Que aos amigos e familiares nada mais reste que a emigração, que se lixe quem vai que o que importa é quem fica. Que já não se tratem em condições os doentes com cancro, paciência é do destino. Que o Estado Social esteja a ser destruído e que a partir de agora saúde, educação e proteção social são só para quem tem dinheiro, é da vida. Que o futuro tivesse sido politicamente aniquilado, balelas. Que a dignidade de todo um povo esteja a ser violada, ani qui bobo, volto já. Que o país está ocupado pela Troika com o colaboracionismo do Passos do Portas e do Gaspar, não estou nem aí. Que resistir à barbárie a dar a cara na rua contra o que aí está é provavelmente coisa de garotos que se gostam de fazer notar. Que querer ter o direito a viver uma vida digna é um abuso ultrajante. Que devia estar provavelmente quietinho e sossegadinho perante tudo isto porque o respeitinho a isso o aconselha. Que não me juntasse ao mais de um milhão que assumiu a revolta na rua pois devia era estar do outro lado. Que é o tacho pois que mais poderia ser aquilo que me move como é bom de ver. Que inexistente é que teria a consideração de todos pois sempre foi assim que nos aconselharam. Que quem manda pode e quem não manda obedece porque o poder sempre foi coisa de quem mandou e isso nunca há-de mudar. Porque fico triste de ver toda a minha geração em Loulé ausente das ruas porque devem ter coisas mais importantes que fazer e acham que isto não é nada com a vida deles. Porque se um dia se chegarem a aperceber do que se está a passar talvez se arrependam da sua demissão cívica. Porque quem sabe, um dia, os críticos da crítica ainda vão a tempo de acordar. Fica essa réstia de esperança. Não é muita.
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