1. Decidido a usar o direito à greve (é um direito sabiam?) o organismo meio adoentado fez-me ter dúvidas sobre a ida à manifestação convocada pela CGTP e pela Plataforma 15 de Outubro (prefiro juntar-me a esta). A intervenção dos deputados do PSD sobre a greve na Assembleia da República nessa mesma tarde no sentido do pior dos tempos do Salazarismo e o discurso dos media (triste jornalismo) sobre a greve puseram o meu organismo físico pronto para a manifestação do 22 de Março.
2. Dia da greve da parte da manhã. Enquanto espero o autocarro para Lisboa com um cartaz de manifestante que dizia de um lado "Contra O Fascismo Austeritário, Dignidade Não Combina Com Austeridade" e do outro lado "A Austeridade Mata E Os Responsáveis Têm Nome" três condutores de uma companhia privada de autocarros discursavam entre eles diabolizando a greve e os grevistas. De alguma maneira pareceu-me estar perante o que Bourdieu designava por "fazer da necessidade virtude". Como o salário não permite fazer greve, discursa-se no sentido de encontrar uma justificação plausível para a "opção" tomada.
3. Catorze horas chego ao Rossio. A logística da CGTP está montada e perto de meia centena de pessoas já se encontra no largo. Começo a tirar fotos daquilo que me parece mais relevante. As TV's e os jornalistas no local procuram apanhar o que podem. Uma jornalista do Público aborda-me e pergunta-me o motivo por que me encontro ali. Digo-lhe que a austeridade é destrutiva, que o ciclo vicioso da austeridade recessiva não é solução e que mais triste do que a austeridade que destrói o futuro e o país é a ideologia do empobrecimento com a qual nos querem fazer crer que é no sofrimento que se encontra a salvação. Falo-lhe também (digo-lhe que é "off the record") que compro há décadas o Público e que este está a resvalar novamente para próximo do conservadorismo da ex-direcção do "i". Falo-lhe do deplorável editorial desse dia sobre a greve e "explico-lhe" que a greve é um direito constitucionalmente garantido. Compro o Público do dia seguinte para ver se a reportagem sai. O assunto do dia é a deplorável pancadaria policial. A minha voz ficou, até ver, para as calendas do lixo jornalistico.
4. Às dezassete horas chego à Assembleia da República atrás da manisfestação da CGTP junto aos precários. Dá-se o momento triste da tarde. Piquetes de greve da CGTP impedem o movimento dos Sem Emprego de avançar para a frente da Assembleia da República. Há uma certa esquerda que não tem cura. Não basta os movimentos sociais serem objecto de uma tentativa de criminalização pelo governo, essa certa esquerda que tudo gosta de controlar fica profundamente incomodada com os movimentos ditos "inorgânicos". A cegueira partidária não podia ser pior. A pancadaria foi feia e tive que fugir dali uns bons metros.
5. Dezoito horas, enquanto espero pela Assembleia Popular, vou beber um café numa rua lateral à Assembleia da República. Aparece de repente um esquadrão policial que só de existir assusta. Passa depois a manifestação "organizada" pela Plataforma 15 de Outubro e no final de novo um esquadrão policial que assusta. Perante a brutalidade da presença policial, não me contive e quase por ali sozinho comecei a gritar que os meus pais não andaram a fazer o 25 de Abril para isto. Que era uma vergonha o que ali se estava a passar e que os bandidos e criminosos estavam dentro da Assembleia da República. Há noite, na televisão vi o que se tinha passado uns minutos antes. A barbárie policial politicamente organizada entrou na fase do Estado Repressivo Policial. A democracia é aquilo que está em jogo.
Foto: João Martins
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