A vulgata neoliberal invade o corpo e entranha-se no pensamento. Uma das suas mais pujantes retóricas é a da inevitabilidade de reduzir os "privilégios adquiridos" pelos trabalhadores, naquilo que considera ter sido uma "aberracção" produzida pelo Estado Social.
Vejamos o que nos diz Pierre Bourdieu, um dos maiores intelectuais do século XX sobre a falácia neoliberal na sua obra Contrafogos.
"Os povos da Europa estão hoje num ponto de viragem da sua história porque as conquistas de vários séculos de lutas sociais, de combates intelectuais e políticos pela dignidade dos trabalhadores se encontra directamente sob ameaça.
Os movimentos que se observam, aqui e acolá, no conjunto da Europa, e até noutros lugares, como a Coreia, estes movimentos que se sucedem, na Alemanha, em França, na Grécia, em Itália, etc., aparentemente sem real coordenação, são outras tantas revoltas contra uma política que toma formas diferentes segundos os domínios e segundo os países e que, todavia, se inspira sempre da mesma intenção, a saber, destruir os direitos sociais adquiridos, que se contam, diga-se o que se disser, entre as conquistas mais altas da civilização; conquistas que se trata de universalizar, de alargar a todo o universo, de mundializar e não de pôr em causa a pretexto da "mundialização", da concorrência de países menos avançados tanto económica como socialmente.
Nada é mais natural e mais legítimo do que a defesa de tais direitos adquiridos, que alguns gostam de apresentar como uma forma de conservadorismo, ou de arcaísmo. Condenar-se-á também como conservadora a defesa das aquisições culturais da humanidade, Kant ou Hegel, Mozart ou Beethoven?
Os direitos sociais adquiridos de que estou a falar, direito do trabalho, segurança social, pelos quais combateram e sofreram homens e mulheres, são conquistas igualmente elevadas e igualmente preciosas e que, além disso, não sobrevivem apenas nos museus, bibliotecas e academias, mas vivem e agem na vida das pessoas e governam a sua existência de todos os dias.
É por isso que não consigo evitar qualquer coisa como um sentimento de escândalo diante daqueles que, fazendo-se aliados das forças económicas mais brutais, condenam os que, defendendo os seus direitos adquiridos, por vezes descritos como "privilégios", defendem os direitos adquiridos de todos os homens e mulheres, da Europa e não só" (Bourdieu, 1998:75-76).
Alguém do partido socialista já perdeu um tempinho a pensar do que restará do partido socialista pós Socrates quando este ocupou o espaço da direita neoliberal?
Algum dos eleitores de esquerda acreditará no partido socialista nos próximos 10 anos quando este for tido como responsável pela maior retirada de direitos sociais ao longo da história da sociedade portuguesa pós-25 de Abril?
A mim parece-me que Sócrates vai funcionar como um verdadeiro eucalipto. Seca tudo à sua volta e quando sair não à socialismo que nos valha.
Vale a pena ver a última entrevista de Mário Soares ao Expresso. Que lucidez, do alto dos seus oitenta e poucos anos. Ali está um verdadeiro político com um verdadeiro projecto de sociedade.
Abraços alternativos
Sem comentários:
Enviar um comentário