Estudioso da sociedade Norte-Americana, Wacquant constacta que paralelamente à destruição do Estado Social, através de uma adesão cega à ideologia neoliberal, se tem vindo a assistir nos EUA à ascenção do Estado Penal, sugerindo mesmo que este está a substituir o estado social nas suas funções.
Diz-nos este conceituado sociólogo, apresentando dados empíricos verosímeis sobre a questão, que os orçamentos da Saúde, da Educação e da Protecção Social em geral têm vindo a ter um forte decréscimo nas últimas décadas em detrimento da subida exponencial dos orçamentos com o sistema policial e carceral.
Com a precarização geral do salariato na sociedade Americana, a "guerra à pobreza" tipíca das politicas sociais dos anos 60, foi substituída pela "guerra aos pobres".
As cadeias Norte-Americanas estão sobrerepresentadas de população proveniente das fracções mais precarizadas pelo trabalho, provenientes das classes populares, mas sobretudo estão sobrerepresentadas de negros Afro-Americanos.
O sistema carceral Americano contribui assim decisivamente para a baixa da taxa de desemprego e consegue fazê-lo de duas maneiras:
- A primeira, é prendendo os pobres que são tidos como indesejáveis porque incomodativos e pouco úteis à ordem económica capitalista dominante.
- A segunda, é que o exponêncial acréscimo de população pobre encarcerada, dinamiza o mercado de emprego, através do aumento da construção de prisões, de um crescente desenvolvimento do sector privado de encarceramento e do crescimento exponêncial de guardas prisionais e dos mais variados sistemas de vigilância.
Diz-nos este consagrado sociólogo, que as lógicas que fazem com que o Estado Penal engrosse fortemente o orçamento do Estado em detrimento do Estado Social não são particulares dos EUA e que este fenómeno da tentação penal cresce por toda a Europa.
E quem não se lembra da política de Tolerância Zero tão do agrado dos partidos políticos à direita e à esquerda do espectro partidário?
Trago-vos um texto de Eça de Queiróz na sua obra "O Conde de Abranhos" para que reflitam sobre o assunto e que vejam que o mesmo já não é novo, pois esta obra é de finais do século XIX.
Sem comentários... deliciem-se por favor, passo a citar:
"Além disso, ele reconhecia que a caridade era a melhor instituição do Estado. Quanto ao pauperismo, tinha-o como uma fatalidade social: fossem quais fossem as reformas sociais, dizia, haveria sempre pobres e ricos: a fortuna pública deveria estar naturalmente toda nas mãos de uma classe, da classe ilustrada, educada, bem nascida. Só deste modo se podem manter os Estados, formar as grandes indústrias, ter uma classe dirigente forte, por possuir o ouro e base da ordem social.Isto fazia necessariamente que parte da população "tiritasse de frio e rabiasse de fome". Era certamente lamentável, e ele, com o seu grande e vasto coração que palpitava a todo o sofrimento, lamentava-o. Mas a essa classe devia ser dada a esmola com método e discernimento: - e ao Estado pertencia organizar a esmola. Porque o Conde censurava muito a caridade privada, sentimental, toda de espontaneidade. A caridade devia ser disciplinada, e, por amor dos desprotegidos regulamentada: por isso queria o Asilo, o Recolhimento dos Desvalidos, onde os pobres, tendo provado com bons documentos a sua miséria, tendo atestado bons atestados de moralidade, recebessem do Estado, sob a superintendência de homens práticos e despidos de vãs piedades, um tecto contra a chuva e um caldo contra a fome.O pobre devia viver ali, separado, isolado da sociedade, e não ser admitido a vir perturbar com a expressão da sua face magra e com narração exagerada das suas necessidades, as ruas da cidade. "Isole-se o Pobre!" dizia ele um dia na Câmara dos Deputados, sintetizando o seu magnifico projecto para a criação dos Recolhimentos do Trabalho. O Estado forneceria grandes casarões, com celas providas de uma enxerga, onde seriam acolhidos os miseráveis. Para conseguir a admissão, deveriam provar serem maiores de idade, haverem cumprido os seus deveres religiosos, não terem sido condenados pelos tribunais (isto para evitar que operários de ideias suversivas que, pela greve e pelo deboche, tramam a destruição do Estado, viessem em dia de miséria, pedir a esse mesmo Estado que os recolhesse). Deveriam ainda provar a sobriedade dos seus costumes, nunca terem vivido amancebados nem possuírem o hábito de praguejar e blafesmar. Reconhecidas estas qualidades elevadas com documentos dos párocos, dos regedores, etc.; seria dada a cada miserável uma cela e uma ração de caldo igual à que têm os presos".
Eça de Queiróz em "O Conde de Abranhos" pag.34 e 35.
Pois é, continuamos no séc. XIX. O Conde agora tem é outro nome...
Abraços e bom fim de semana
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