Faltam dois dias para começar as aulas. Recebo uma chamada telefónica de uma mãe de um colega do meu filho que me informa aflita de que puseram os nossos filhos que tinham passado do 2º ano para o 3º ano numa turma do 4º ano. Estou de partida para Lisboa para um colóquio internacional. Tenho pouco mais de uma hora para apanhar o autocarro. Decido arriscar a passar pela escola para saber do que se passa. Entro na escola e vejo a turma do meu filho afixada. É a única turma do primeiro ciclo que tem crianças misturadas naquele edifício. Foi despejado com mais seis crianças numa turma do 4º ano. Subo as escadas em direcção à secretaria. Entro e falo com a primeira funcionária que vejo dizendo-lhe que ouve um erro absurdo na colocação do meu filho nas turmas. Esta dá-me a entender que não é engano mas uma opção deliberada da escola. Entro descontrolado no gabinete da direcção a pedir explicações. A direcção diz-me que o Ministério da Educação mandou para trás todos os horários que os professores da escola tiveram a fazer pacientemente durante o Verão. Inventaram uma plataforma informática onde colocaram os alunos. O resultado foi aquele e nada podem fazer. Mostram-me outras situações absurdas em escolas do interior do concelho. A ordem foi geral e aconteceu em muitas mais escolas. Dizem-me que nada podem fazer. Que a Direcção Geral dos Estabelecimento Escolares, a nível central, é quem tudo decide e que não responde a emails nem sequer sabem o número para onde contactar. Saio do gabinete da direcção furioso. Telefono para a minha mulher que no trabalho fica estupefacta. Arranco para Lisboa a pensar em chegar rápido ao quarto de hotel para criar um evento no facebook para convocar uma manifestação para a porta da escola na Sexta-Feira seguinte assim que chegar. Nesse mesmo dia a minha mulher sai do trabalho e vai à escola. Vê a turma afixada, entra em paranóia e dirige-se ao gabinete da direcção da escola. É barrada no caminho pelo porteiro que a ameaça e a tenta impedir de subir. Ela resiste e enfrenta o porteiro. Senta-se na escada e recusa descer enquanto não falar com alguém da direcção. Lá dentro, um elemento da direcção ouve a zaragata e manda-a entrar. O porteiro desce e o meu sogro cá em baixo ouve o porteiro resmungar "vêm para aqui estes comunistas". A minha mulher quer saber como se pode resolver a situação. A resposta é a mesma. Só a Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares é que pode resolver o assunto e está incontactável. Percebo nesse dia que estou em luta contra o topo do aparelho de Estado e que a formação das turmas é uma estratégia de economizar recursos e despedir professores. Tinha já anteriormente informado a mãe do colega do meu filho que não se assustasse se me visse a ter comportamentos fora da norma que isto tinha que ser um combate a doer, a minha leitura confirmou-se. Em Lisboa mobilizo algumas pessoas (familiares e amigos) que se solidarizaram através do facebook para aparecer na manifestação de Sexta de manhã à porta da escola. Telefono para o Sindicato de Professores que me diz que tem que ser os pais a fazer pressão, a "desenrascarem-se". Formo entretanto o movimento ad hoc de cidadãos do concelho de Loulé em defesa da escola pública. Faço um comunicado de imprensa para vários orgãos de comunicação social entre os quais a Lusa e o Correio da Manhã. Faço a viagem de Lisboa para o Algarve em pulgas com uma comunicação num colóquio sobre educação (ironia das ironias) pelo meio. De manhã levanto-me às 7 horas da manhã e com umas cartolinas escritas com palavras de ordem arranco para a escola. Não me contive e pintei a parede e o portão da escola "dois anos, um professor não, basta!". Pressinto que vou estar sozinho na luta e que estou a lutar contra um monstro, tiro a roupa e fico em cuecas em frente à escola com um cartaz que tem inscrito "Em defesa da escola pública e da educação do meu filho Pedro". Sei os custos que uma decisão destas tem. Fui rotulado de "louco" pelas gentes do PSD local por protestar de forma veemente contra as políticas do governo e de "radical" pela gente do PS que andou atrás de mim nas manifestações em Loulé. O boato instalou-se e as gentes de Loulé prestam-se a isso. Mas trata-se da vida do meu filho e nem hesito um minuto. Chegam as televisões e a jornalista da Lusa e já estou em cuecas no meio da estrada. Os pais de mais 6 crianças da mesma turma juntam-se passivamente ao protesto (a nossa democracia não chegou a estar devidamente consolidada para que as pessoas incorporem um protesto como um direito). A minha mulher depois de cuidar do meu filho mais novo aparece em cima da hora de entrada da escola, pouco depois aparece a minha mãe e a minha irmã; aparecem também alguns elementos do Bloco de Esquerda de Loulé em solidariedade e um senhor de Quarteira ligado ao PS que está de passagem e que se mostra solidário. À hora do almoço já estou de cuecas na TV. A reportagem é boa. No Correio da Manhã, o jornal faz da notícia um fait-divers. O director da escola vê-se na obrigação de falar para a televisão depois de eu ter exigido a uma professora a sua presença. O seu discurso é sereno. Apela ao bom senso do Ministério da Educação para que se resolva a situação. Há mães que choram junto ao portão da escola. O seu discurso é o reconhecimento de que os pais têm razão. Há logo de seguida a recepção aos pais dos alunos. Visto a roupa e vou para a reunião com intenção de falar com a direcção da escola sobre a forma de ultrapassar o problema. Percebo que o director da escola não está. É uma subdirectora que dá início à reunião. Exijo a presença do director pois há problemas gravíssimos que têm que ser discutidos. Sou obrigado a cantar o Grândola Vila Morena para que o director seja chamado à reunião. O director chega e a reunião começa. Apresento o problema que afecta sete pais naquela mesma escola. A maior parte dos pais (os outros) fica em silêncio e nem toca no facto de haver turmas com 26 crianças estando uma das turmas vazia com 11 crianças ao lado. A meu lado o Luís Lory intervém e diz que se fôr necessário acampa comigo à porta da escola em prole do seu filho. O presidente da Associação de Pais não está presente. Parece que tem problemas a resolver noutras escolas. Está presente um outro elemento da Associação de Pais que lamenta o que se está a passar e que a situação deveria ter sido evitada. No facebook o presidente da APEC tinha-me aconselhado a não avançar com a greve de fome uma vez que a medida lhe parecia muito "drástica". A direcção da escola reconhece publicamente o problema e diz não ter responsabilidade na situação. Deixo bem claro que não vou aceitar a atrocidade. Decido nesse mesmo dia que se tiver que ser avanço para greve de fome. Saio da reunião e vou para o trabalho. Lecionar, entenda-se. Ao telefone a minha mulher avisa-me que os outros seis pais (a maior parte mães) vão para Faro falar com o Director Regional de Educação a expôr o problema e que seria aconselhável eu ir também. A minha vontade é nenhuma. Sei que é um cargo de nomeação do partido e tenho a ideia que quem o representa põe os interesses do partido acima de tudo. A minha mulher insiste e lá me convence. A meio da tarde estou na Direcção Regional de Educação do Algarve. Quando chego a mãe que teve a iniciativa da reunião diz que teve que forçar a reunião pois o senhor director não queria recebê-la. Lá conseguiu, entrámos para uma sala da DREALG todos juntos, os pais e mães de seis crianças. O Pedro foi connosco, não tivemos onde deixá-lo. A minha mulher a faltar ao trabalho. Iniciada a reunião, o senhor director regional lá nos explicou que a DREALG não tinha poderes e estava praticamente esvaziada. Que quem podia resolver a situação era a Direcção Geral de Estabelecimentos Escolares que não atendia o telefone ou que lhes desligavam inclusive o telefone na cara e não respondiam aos emails. Depois passou à verdadeira explicação. Que o governo fazia o que fazia para "proteger aqueles que pagavam os seus impostos" e que não se podiam desperdiçar recursos. Não me controlei, e desatei aos murros na mesa. O senhor director levantou-se e recusou a continuar a reunião. Levantei-me de imediato. percebi que era eu que tinha que sair. Sai de dentro da sala aos berros "Não brinque com a educação do meu filho", "Não brinque com a educação do meu filho" e sai porta fora a gritar "fascistas de merda" e "filhos da puta". A reunião continuou para o resto dos pais. Sai decidido a acampar à porta da escola e a fazer greve de fome. E assim fiz. Novamente foi feito um comunicado para a imprensa e novamente o caso foi amplificado pelos meios de comunicação social. A greve de fome nunca foi interrompida e apenas abandonei o local para ir dar aulas aos meus alunos, para que também eles não fossem prejudicados. Os protestos ao longo da semana foram oscilando entre a escola nº 4 junto à transversal do coreto na Avenida José da Costa Mealha e na escola em Vale de Râs onde se encontrava a direcção. No final dessa semana (7 dias depois do início das aulas) estou acampado à noite junto da escola e recebo uma chamada da minha mulher que estava numa reunião da Associação de Pais para me dizer para suspender a greve que a Direcção Geral dos Estabelecimentos Escolares tinha dado autorização para transferir os miúdos para a turma do 3º ano. Suspendi imediatamente a greve de fome com uma enorme sensação de alívio e fui para a reunião a pedido da minha mulher. De facto a direcção da escola tinha recebido a orientação. Restava agora saber se a punha em prática e a direcção afiançava que sim. Fim-de-semana passado em casa a recuperar as forças de uma greve de fome que já ia longa e já estava a produzir efeitos no cansaço físico mas com a esperança de que era agora que tudo se resolvia. Não podia estar mais enganado. Deixo passar o fim-de-semana, a Segunda-Feira; e percebo a meio da semana que o assunto não se resolveu. Entretanto, o Pedro esteve os primeiros dias de escola sem lá ir, em protesto e ao quinto dia decidimos que era melhor integrar a turma do 4º ano. Acontece que a direcção da escola aproveitou a orientação vinda de cima para resolver outros casos e aquilo que tinha deixado de ser uma uma impossibilidade, um governo fascista abrir mão de um decisão irrevogável, voltava a ser enviado através da escola para as mãos da Direcção Geral de Estabelecimentos Escolares que concordava agora apenas "parcialmente" com a orientação superiormente emanada, voltando a transformar a nova possibilidade numa nova impossibilidade. Não sei se percebem, aquilo que anteriormente era uma ordem inquestionável uma vez que os elementos da direcção da escola nunca correriam o risco de levar um processo disciplinar e prejudicar as suas carreiras profissionais (dito pelos próprios e ouvido com estas orelhas que a terra há-de comer) passou como que por obra e graça do espírito santo na sequência da abertura gerada pelos protestos a ser possível de contestação. E assim chegámos a meio da outra semana em que na sequência de uma reunião da direcção com a minha mulher e a minha mãe (todos os dias a escola me dizia que o problema se resolveria no dia seguinte e todos os dias seguintes fui à escola) lhes foi dado a entender que o problema não teria solução. E foi nesse mesmo dia que decidi ocupar o gabinete da direcção da escola. Entrei, sentei-me e disse que não sairia do gabinete até o problema estar resolvido. Já noitinha, nesse mesmo dia, os elementos da direcção abandonaram a escola e deixaram-me plantado no gabinete sem ninguém lá dentro. Saíram para jantar e chamaram a polícia. Entretanto a minha irmã anunciou no facebook que o gabinete da direcção estava ocupado. E pediu ajuda. Ainda tentei trancar o gabinete por dentro mas não consegui. A porta não tinha fechadura. Entretanto chegou a polícia e a direcção voltou. Ofereci-me à polícia para me algemar. Levem-me preso. Quero ser preso. E foi a polícia que me convenceu com muita paciência a retirar-me no gabinete e a voltar de manhã no dia seguinte que aí já não teria problemas com as autoridades. Foi o que fiz. Abençoado conselho. No dia seguinte logo pela manhã agarrei no meu portátil e fui trabalhar para o gabinete da direcção à espera que me resolvessem o problema. Para quem tinha penado em greve de fome e a dormir à chuva à porta da escola era agora bem mais fácil esperar sentado. E foi esta persistência (que se ia tornando insustentável para a direcção da escola) juntamente com o facto de ter percebido que conhecia o tipo (e que tinha acesso ao seu número de telemóvel) que tinha acesso ao sistema informático que permitiu que esta pessoa em mediação com a escola e com o responsável central da DGEST resolvessem de vez o problema. O facto de os pais em Monchique na mesma situação se terem juntado e fechado a porta da escola também ajudou e muito. Começavam a explodir outros casos um pouco por todo o país e convinha ao Governo estancar os protestos. Nesse mesmo dia fui ainda ameaçado de morte pelo porteiro da escola que me expulsou literalmente da escola e que me ameaçando com um tacho na mão me disse que "isto ainda ia acabar mal" e "matava toda a minha família" (chegando a ameaçar depois os meus pais directamente). É nessa hora à porta da escola que recebo um telefonema pessoal a informar que a situação está resolvida e que no dia a seguir a transferência seria consumada. À porta estavam dois elementos da Associação de Pais e familiares e amigos meus que entretanto tinham chamado a polícia na sequência da ameaças à minha pessoa à porta da escola a quem transmiti a decisão. Informado do assunto o Presidente da Associação de Pais viria a escrever mais tarde no facebook da APEC que "na sequência da reunião com a direcção da escola tinha-se resolvido o caso". De registar também que enquanto estive em greve de fome abordei o candidato do PS Carlos Filipe e o presidente da Junta de Freguesia de São Clemente no sentido de informarem o candidato Vítor Aleixo e fazerem qualquer coisa para me ajudarem a resolver o problema (nem que fosse um comunicado público/político que desse alguma visibilidade ao problema, tratava-se da escola pública caramba!) ao que o Carlos Filipe me respondeu "que era um gajo muito corajoso" enquanto o Pedro Oliveira não ligou patavina ao que lhe estava a dizer só não se raspando dali mais cedo porque o Carlos Filipe teve o bom senso de fazer que me ouvia. Toda essa gente do PS fez de conta que era o protesto de um "maluco" e agiu estrategicamente de maneira de que isso não lhe prejudicasse um único voto. A minha mulher ainda conseguiu falar com o candidato Vítor Aleixo que fez que não sabia de nada do que se estava a passar e quando lhe disse que era minha mulher deixou escapar que eu seria bom moço mas muito "radical". Vim a saber mais tarde que o Senhor Presidente da Freguesia de São Clemente fazia parte do Conselho Geral da Escola...No final, o meu filho Pedro integrou a turma do 3º ano mas quatro dos melhores alunos daquele ano fugiram da escola e pediram transferência para escolas de outra localidade dentro e fora do concelho (o próprio filho do Lory que é do PS foi transferido a pedido do pai). A escola viria a confrontar-se com uma tragédia de que eu viria ainda mais tarde a ser injustamente acusado e de que tive que me vir a defender por escrito e eu passei provavelmente a maior humilhação da minha vida sendo ainda censurado moralmente por alguns colegas de trabalho. Fica a história. Não consigo contar tudo ao pormenor porque a memória sempre nos atraiçoa. Fica o possível para que se saiba. O que mais temo é que tudo se repita no ano que se aproxima. As turmas mistas ficaram lá, no objectivo das políticas governamentais. Resta saber se fazem parte das políticas de escola. E já agora, o que faz a autarquia?
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