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quinta-feira, outubro 16, 2025

Voltando À Lucidez e Racionalidade

 "No passado dia 30 de Setembro, as projeções do Instituto Nacional de Estatística (INE) traçaram o retrato de um país mais vazio e envelhecido até 2100. Os Açores e a Madeira, hoje entre as regiões mais jovens, liderarão uma transformação demográfica profunda, enquanto o Norte se tornará a região mais envelhecida do país. No mesmo dia, o Parlamento aprovou a nova lei de estrangeiros. Não há coincidências. É o futuro a chamar-nos.

Pode um país encolher sem desaparecer? Pode, e Portugal caminha nessa direção. Os números não mentem: em 2024 éramos cerca de 10,7 milhões de habitantes. Em 2100, seremos entre 5,4 milhões (cenário baixo) e 11,5 milhões (cenário alto). O cenário central, isto é, aquele que os especialistas consideram mais provável, aponta para 8,3 milhões. A pergunta não é se vamos diminuir. É como vamos lidar com a diminuição populacional.
O que estes dados (extraídos dos quadros síntese, INE, Projeções Demográficas 2025–2100) mostram é uma mudança profunda. Seremos menos, mas sobretudo seremos mais velhos. Em 2024 havia 192 idosos por cada 100 jovens. Em 2100 poderão ser mais de 400 idosos para cada 100 jovens. A pirâmide etária deixa de ser pirâmide e transforma-se num obelisco. Haverá menos jovens, muito menos. Se em 2024 havia mais de um milhão e trezentas mil crianças, em 2100 poderão ser menos de um milhão. Haverá também menos população ativa. Os atuais quase sete milhões de adultos em idade de trabalhar podem transformar-se em pouco mais de quatro. Os idosos, esses, não desaparecem. Trabalharemos mais anos porque viveremos mais tempo, os homens perto dos 90 anos, as mulheres perto dos 95. É isto mau? Não. Nem por isso. Viver mais é um triunfo da ciência e da sociedade. Mas, por outro lado, viver mais sem reposição de gerações é viver de costas voltadas para o futuro.
A fecundidade mantém-se teimosamente baixa. Em 2024 era de 1,4 filhos por mulher. Em 2100, as projeções apontam para 1,3 a 1,6. Muito abaixo dos 2,1 filhos necessários para substituir gerações. Muito menos mulheres para poderem, querendo, ter filhos. Não é apenas uma questão de escolha. É sobretudo de condições. Salários curtos para meses longos, habitação cara, instabilidade no trabalho. Não faltam razões para adiar ou evitar filhos. O resultado é inevitável: menos nascimentos, menos renovação, mais envelhecimento. A economia encolhe, os sistemas de pensões e de saúde ficam em risco. É inevitável? Não.
Mas não é aqui que está o pêndulo do futuro. Está na migração. Em 2024, o saldo migratório foi positivo, com mais 143 mil pessoas a entrar no país do que as que emigraram. Sem esse contributo, Portugal cairia rapidamente para o cenário mais pessimista. Em 2100, a diferença entre seis milhões e onze milhões de habitantes depende da capacidade de atrair e integrar migrantes. A imigração não é ameaça, é redenção. É uma oportunidade. É a linha que separa um país em declínio de um país que, mesmo envelhecido, continua vivo e dinâmico. É a diferença entre ter escolas fechadas ou salas cheias, entre lares vazios e cidades vivas.
O país não é homogéneo. As desigualdades territoriais reforçam-se hoje e nas projeções para o futuro. O litoral atrai, o interior perde. O Norte, outrora a região mais populosa, acabará ultrapassado pela Grande Lisboa. O litoral urbano continuará a atrair população e diversidade. O interior rural continuará a perder e, concomitantemente, a envelhecer. Mais aldeias sem gente, mais vilas transformadas em espaços fantasma. A diversidade cultural chegará primeiro às grandes cidades: vizinhos que nasceram em outros continentes, filhos que partilham carteiras com colegas de línguas diferentes, mercados onde o mundo se encontra. Mais línguas, mais culturas, mais tensões, mas também mais futuro. Isso é uma ameaça à identidade? É futuro.
O problema não está nos números. Está na inércia. Está em aceitar o envelhecimento como fado, a emigração como destino, a imigração como ameaça. Está em não agir. As projeções não são sentenças, são cenários. Mostram-nos o que pode acontecer se nada mudar. E nada mudar é a escolha mais perigosa de todas. O que estes dados do INE nos dizem não é que o futuro está fechado. Dizem-nos que ele está aberto, mas exige escolhas. Portugal 2100 pode ser um país velho, isolado e encolhido. Mas pode ser também mais diverso, mais aberto, mais solidário. O futuro não está escrito na curva estatística. Está escrito nas decisões que tomamos hoje. A demografia anuncia o caminho, mas não o determina. O país que seremos cabe-nos a nós construir."

Pelo sociólogo Pedro Góis.

https://www.publico.pt/2025/10/11/opiniao/opiniao/portugal-2100-menos-velhos-diversos-2150407?

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