Está na hora de se desfazer alguns lugares comuns sobre educação que à força de se reproduzirem ad infinito ganham contornos de uma evidência aceite sem discussão. A dicotomia apregoada a sete ventos, ensino presencial igualitário versus ensino à distância desigualitário, é uma ideia que para além de descabida não tem qualquer correspondência com a realidade. Como bem sabem os sociólogos da educação, o Ministério da Educação e até o senhor Primeiro-Ministro, o ensino presencial na sociedade portuguesa é um ensino fortemente desigualitário, fortemente reprodutor das desigualdades sociais e fortemente penalizador das classes sociais socioeconomicamente desfavorecidas. Portugal é dos países da Europa onde a condição social dos pais mais pesa nas oportunidades educativas e sociais dos seus filhos, isto, mesmo antes da pandemia. Se queremos entrar nesta discussão teríamos que começar por aqui. Depois sim, é muito óbvio que os alunos filhos de pais com maior capital económico e cultural, para falar à la Bourdieu, ainda hoje uma referência incontornável dos estudos sociológicos sobre as desigualdades educativas, estão em melhores condições de beneficiar do ensino à distância do que os alunos provenientes das famílias desfavorecidas e aí as desigualdades educativas e sociais obviamente que se reforçam. Mas é preciso dizer que isso já acontecia presencialmente de forma fortíssima. O que acontece é que vivemos numa pandemia, onde Portugal é campeão do mundo e perante este cenário o princípio da precaução impõe que em primeiro lugar é preciso salvar vidas humanas e não colocar a vida de crianças e jovens em risco e é por isso que o ensino à distância é a única alternativa disponível. É uma má alternativa, mas a única que temos para assegurar a continuidade da actividade escolar. Acontece que o actual Governo e o seu Primeiro-Ministro continuam em estado de negação e tomaram novamente uma má decisão. Tudo parece apontar para a ideia de que o Governo do Dr. Costa esteja a pensar que daqui a quinze dias a onda pandémica está estancada e os alunos podem voltar presencialmente às escolas. Surreal e assustador. Oito meses para fazer chegar os portáteis a casa dos alunos de condição social desfavorecida e o que temos é impreparação, incompetência, arrogância governamental e desculpem-se, mas tenho que o dizer, muita estupidez. Não estou nada tranquilo com o que aí vem de decisões governamentais. Se os jornalistas dessem menos voz ao absurdo representante dos pais, Jorge Ascensão e dessem mais voz aos sociólogos da educação, talvez não ouvissemos tantos disparates na arena pública.
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